sexta-feira, 1 de junho de 2012

O futuro será diversificado ou não haverá futuro, profetiza Vandana Shiva


Valores como cuidado e proteção embasam uma 
democracia viva, que traz a sustentabilidade e atende
 as necessidades de conexão universal entre todas as 
espécies, defende a ecofeminista indiana em palestra
 realizada na capital gaúcha





Por Eliege Fante, para EcoAgência de Notícias Ambientais
A intensificação da biodiversidade é o antídoto para superarmos as crises existenciais, econômicas, sociais,
 sob as quais a humanidade se encontra. A afirmação é da ecofeminista indiana Vandana Shiva, que realizou
 palestra na noite de segunda-feira (28) no Fronteiras do Pensamento, no Salão de Atos da Reitoria da UFRGS,
 em Porto Alegre. Para ela,“O futuro será diversificado ou não haverá futuro,” profetizou.

A biodiversidade retratada se evidencia através do respeito ao próximo, às espécies, ao diferente, aos indígenas e

 as demais comunidades autóctones. Conforme explicou, são essas comunidades que possuem a sabedoria de 
como viver com uma pegada ecológica leve, ou seja, impactando menos os ecossistemas. “Com cada língua que
 desaparece vai também uma possibilidade de resistência contra a extinção das espécies.”

“Vamos celebrar as culturas, reinserir o bem-estar para a segurança ecológica das identidades, dos cidadãos da 

Terra, reaver o controle do alimento e da água,” disse Vandana. A pesquisadora entende que à globalização
 corporativa, que exclui o cidadão e também o parlamento e os políticos em geral, deve suceder-se uma 
democracia viva. “Temos que passar para economias vivas que proporcionem a sustentabilidade, satisfaçam a 
necessidade de consciência, de conexão universal, de compaixão e solidariedade.”

Felicidade Interna Bruta (FIP) - Como um exemplo desta possível prática, a pesquisadora contou a sua 

 experiência enquanto assessora na transição na economia do Butão para uma produção de alimentos totalmente
 orgânica. “Lá medem o FIB, a Felicidade Interna Bruta. É um ministério da felicidade e não da economia como os 
outros, que busca o equilíbrio e harmonia com a natureza. São responsáveis por criar novas fronteiras do
 pensamento, além do ecoapartheid – a separação do homem e da natureza, por criar uma democracia da 

comunidade da Terra, pois somos uma família na Terra.”

Sobre esta mudança de paradigma, é que Vandana Shiva falará na Rio+20. Adiantou que estará no painel 

“Segurança alimentar e nutricional” e que defenderá a agroecologia como modelo para produção de alimentos em
 contraposição ao agronegócio. “Para a economia verde tudo é mercadoria. Mas, como o slogan do Fórum 
Social Mundial é ‘Um outro mundo é possível’, eu digo 
que, um outro mundo é ‘necessário’ para a humanidade
 ter lugar no planeta,” disse.

Abordar a origem dessa visão da natureza enquanto

 mercadoria, levou a palestrante a citar o início do 
pensamento moderno com Francis Bacon, filósofo autor
 de Novum Organum (ou Novo Instrumento, 1620). 
Bacon pretendia substituir o Organum de Aristóteles, 
ao criar um processo de busca pelo conhecimento dito 
com bases sólidas. 
Contudo, este progresso pretendido, destacou Vandana, 
implantou a visão de que o conhecimento e o saber 
levariam ao poder sobre a natureza. Dando-se a partir 
daí, a separação entre esta e o homem. “Para esta
 ciência masculina, é preciso haver uma refeminização 
da humanidade, no sentido de um resgate dos valores femininos, 
como o cuidado e a proteção,” apontou.

A ciência masculina, aquela que impõe o subjugo da natureza, é a mesma que propõe o patenteamento da vida, 

por considerem-na vazia até que o homem a desenvolva. “O problema das corporações era que os agricultores 
guardavam as sementes, então a Organização Mundial do Comércio elaborou (1996) o Acordo sobre os Aspectos
 dos Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados ao Comércio. Na Índia, tínhamos 200 mil variedades de 
arroz, hoje estão reduzidas a um punhado,” denunciou o monopólio das sementes, principalmente pela Monsanto.
 No caso do algodão, cujo mercado a empresa detém 95%, o fracasso na colheita, a dependência financeira e o 
 endividamento dos agricultores devido ao alto custo das sementes e dos insumos, levou 150 mil pessoas ao 
suicídio na década de 90.

Patenteamento da Vida - A ecofeminista explica que o patenteamento da vida nega a criatividade da natureza.

 “A indústria faz de conta que cria muitas características nas sementes, mas só pode colocar uma toxina,” 
lembrou, referindo-se ao Bacillus thuringiensis. Ela criticou também a engenharia genética e o “cassino genético”
 que promove ao desenvolver organismos geneticamente modificados. “Inventaram que impedem que ervas 
daninhas roubem o sol, colocaram as abelhas como ladras de pólen. O resultado foi o uso 13 vezes maior de 
pesticidas e o desaparecimento de 75% das abelhas na Índia.”

Segundo Vandana, a agricultura industrial manipula a produtividade ao medir a produção por unidade de insumo.

 Ela defende o cálculo a partir dos produtos: alimento, excedente a ser vendido e biomassa. Especialmente sobre 
esta última, desmentiu o índice de 75% de não aproveitamento da biomassa. Segundo explicou, somente nas 
grandes cidades o petróleo e os subprodutos facilitam a subsistência, já que no restante delas, as comunidades
 são dependentes da biomassa. Por isso, considera o uso desta para fabricação de combustíveis uma violação 
dos direitos humanos e da economia da biodiversidade.

Ao comparar uma monocultura de milho, explicou que uma propriedade biodiversa, vai produzir além do milho, 

outras culturas também, e o principal, vai produzir nutrição. Em resposta ao público, afirmou que existem centenas
 de alternativas para substituir o capitalismo, sempre se levando em conta que as liberdades fundamentais são 
base para uma democracia viva. Intensificar a biodiversidade e não investir em insumos, que geram resíduos e 
impactos, mas plantar para ter alimento e não para ter mercadoria, são ingredientes da receita da indiana. “Assim
 como cada região tem bacia hidrográfica, deveria ter uma bacia alimentícia. É preciso ocupar os espaços das 
cidades, ter o sistema local, trabalhar com amor e confiança, pois existem mais tipos de alimentos do que o milho
, a soja, e as demais commodities,” disse.

A mudança do capitalismo para um paradigma ecológico vai ocorrer, ela acredita, porque está havendo maior

 conscientização das populações, principalmente a partir da crise econômica mundial de 2008 que provocou o
surgimento dos movimentos “Os indignados” e Occupy Wall Street. Em paralelo, a ativista sugere a ação individual
 por meio do reconhecimento de que somos sujeitos nesta luta, de que podemos fazer opções para criar uma
 revolução alimentícia, comer orgânicos e não químicos e ter a garantia de que a nossa forma de alimentação 
ajuda o avanço dos mercados locais. “Podemos nos tornar coprodutores da propriedade agrícola e da biodiversida_
de. O sistema capitalista não vai durar muito devido suas estruturas artificiais, suas mentiras e falsidades e,
 também, à medida que decidirmos criar um outro mundo,” concluiu.

Vandana Shiva é fundadora do Navdanya, um movimento pela conservação da biodiversidade e direitos dos 

agricultores. Ela também dirige a Fundação de Pesquisa para a Ciência, Tecnologia e Política de Recursos 
Naturais. Durante a palestra, abordou o curso de agricultura orgânica que promovem na Índia, onde falam sobre 
uma economia da resiliência e do qual já participaram 500 mil agricultores.
Ecoagência Solidária de Notícias Ambientais

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