Com esse título improvável, esse artigo NÃO é uma ironia. Quero justamente pontuar as principais
justificativas desculpas de quem não gosta de árvores – ou de quem gosta delas, mas lá longe, na floresta. Ou ainda, dos que gostam, mas não sabem disso, e vão descobrir depois de alguns minutos de frente com esse blog.
Sim, a arborização urbana tem desvantagens. Mesmo as ações mais benéficas incomodam (principalmente as benéficas), e as árvores incomodam MUITO no meio urbano. Vamos ser diretos (ou tentar):
Dez desculpas de quem não gosta de árvores:
1. Queda de folhas (e flores)
A queda de folhas é processo natural das árvores (deciduidade), porém há espécies com maior ou menor deciduidade. No meio natural, as folhas no chão formam um tapete, que mantém a umidade e a fertilidade do solo em torno da árvore de origem – ou seja, um ciclo perfeito. Para o meio urbano, isso é, em geral, desinteressante, já que o ser humano habitante das cidades tem padrões extremos de assepsia, padrões que rejeitam a convivência com certos seres vivos, como os insetos – até mesmo para manter o desequilíbrio ambiental que nos mantém vivos e soberanos.
No fim das contas, a solução é varrer. Folhas pelo chão podem entupir bueiros em dias de chuva, e para evitar que isso ocorra há três recomendações: plantar árvores afastadas dos bueiros (até mesmo para não criar conflito com as raízes); optar, nesse caso, por espécies cujas folhas não causem entupimento facilmente; e varrer – a solução mais lógica e natural.
Little People, do artista Slinkachu
De qualquer forma, quero deixar um apelo: quantas vezes já ouvi dizer que jogar lixo no chão gera emprego para os varredores… Longe de concordar com isso, faço uma proposta: que tal se a população jogar o lixo nas lixeiras e deixar para os garis só o trabalho de varrer folhas? Que tal plantarmos mais árvores para gerar mais emprego para os garis e jardineiros? Que tal se dedicarmos 10 minutos do nosso dia para varrer nossas calçadas sem mau-humor? Que tal?
.
2. Quebra de calçadas
raiz pivotante e raiz fasciculada
1º.
Árvores em calçadas devem ter raízes pivotantes (conhecidas como
axiais), que tendem a ser profundas. Árvores de raízes
ramificadas (conhecidas como
fasciculadas) crescem para os lados, próximo à superfície, por isso precisam de espaço livre permeável em volta. Em breve você poderá consultar a nossa “
arboripédia” para saber mais sobre os tipos de raízes.
Raízes de árvore quebram parte de passeio da rua da Várzea, na Barra Funda-SP. Foto: Eduardo Enomoto/ R7
2º. Toda árvore precisa de solo poroso permeável em volta para captar água e oxigênio. Quanto maior a gola (canteiro), melhores as condições de desenvolvimento saudável da árvore. Uma árvore “sufocada” por concreto ou em solo compactado pode erguer suas raízes em busca de oxigênio, independente do tipo de raiz. Além disso, ficam sujeitas a pragas e crescimento comprometido.
Fica claro, então, que a quebra de calçadas por raízes é puramente resultado de negligência. Escolhendo a espécie adequada para o local e respeitando as necessidades vitais das árvores, não acontecerá esse tipo de inconveniente. Clique
aqui e saiba mais.
.
Árvore caída em Presidente Prudente-SP. Observe as raízes ramificadas sem espaço para crescimento. Foto: Erika Foglia/ iFronteira
3. Queda em tempestades
As árvores são vegetais superiores, que apresentam extremo vigor na idade adulta. Algumas espécies possuem madeira frágil, e seus galhos quebram com facilidade sob a ação do vento. Mas para que uma árvore adulta caia inteira, ela precisa ter sérias complicações patológicas – doenças, pragas, má formação, raízes comprometidas.
O plantio não é o fim do processo de arborização. Árvores em meio urbano carecem de manutenção constante, que inclui podas de formação, tratamento de pragas e, em última estância, infelizmente, o corte se faz necessário, para priorizar a segurança dos cidadãos – claro, com substituição por outra árvore.
Toda árvore em solo público está sob a tutela do poder público municipal, portanto, é dever das prefeituras cuidar das árvores urbanas, assim como cuidamos constantemente da nossa saúde e higiene.
Mais uma vez, as árvores não tem culpa.
4. Interferência na fiação
A sibipiruna é uma espécie de poucos conflitos com fiações aéreas. Foto: Mariana Barros
Em calçadas com fiação aérea, costuma-se desaconselhar o plantio de árvores de grande porte, substituindo-as por arbustos e árvores pequenas. A verdade é que é possível plantar árvores de grande porte sob fiação, mas requer certos cuidados para evitar cortes no abastecimento de energia em dias de vento forte. É preciso escolher uma espécie adequada, cuja madeira não seja frágil, plantar a muda fora do alinhamento dos fios e conduzir a copa da árvore acima dessa rede, usando técnica de poda adequada. Existem também outras soluções, como proteção da fiação ou substituição por rede subterrânea, mas que dependem da atuação das concessionárias responsáveis pela fiação. Mesmo assim, as árvores de grande porte tem uma relação custo/benefício bem melhor para o meio ambiente que os arbustos e árvores pequenas, inclusive com capacidade de absorção de CO2 muitíssimo superior.
O abricó-de-macaco, árvore da Amazônia difundida pelo paisagista Burle Marx, produz frutos de até 2kg. Foto: Marcos Pinho/ Eu-Repórter
5. Queda de frutos
A possibilidade de ingerir seus frutos é uma das coisas mais apreciadas nas árvores pelo ser-humano. Portanto não são comuns acidentes com queda de frutos, pois normalmente recolhem-se os frutos antes de madurarem. Mas é preciso ter cuidado, escolher a espécie ideal para cada lugar e não plantar espécies que possuam frutos pesados (como coqueiro e jaqueira) em áreas habitáveis, para evitar acidentes.
.
.
A quaresmeira é inadequada para plantio em estacionamentos e garagens, pois suas folhas mancham a pintura dos carros. Mas não vá cortar a árvore se ela já existir: use uma capa para veículos ou outra alternativa.
6. Ocupam espaço de garagem
Não vou nem entrar no mérito da valorização dos automóveis em detrimento do bem estar urbano. A frase já fala por si. Mas já parou pra pensar que uma árvore ocupa no solo exatamente a área que 1 pessoa ocupa? Por volta de 1m², apenas! No caso de garagens, os benefícios persistem, porque a sombra protege o automóvel do calor e da luz que desgasta a pintura, é só escolher uma espécie adequada, sem frutos pesados ou flores que manchem.
7. Atraem vizinhos chatos
Bom, isso tem solução. Aquele pessoal bagunceiro que não te dá sossego, curtindo um som alto embaixo da sua árvore? promova o plantio na sua rua e assim todos terão sombra para farrear.
Aproveite e plante mais na frente de casa, pois árvores absorvem os ruídos, minimizando a poluição sonora.
.
Dragoeiros em “calçadão” comercial – Santa Cruz de Tenerife, Espanha. Você acha que eles estão atrapalhando o comércio?
8. Atrapalham a visão da publicidade do comércio
Uma árvore na calçada é uma publicidade das mais eficazes que um comércio pode ter. As pessoas procuram abrigo nas copas nos dias de sol e de chuva de forma inconsciente, e aproveitam pra olhar uma vitrine… rs. Os lugares arborizados são os mais agradáveis visualmente e a árvore protege da insolação direta, reduzindo custos com ar condicionado. Peça ajuda da prefeitura para fazer uma poda de levantamento e deixar a copa elevada. Letreiros com muita informação agravam a poluição visual urbana. Muitas cidades tem dado incentivos fiscais para comércios com a fachada “limpa”, bem conservadas e com pouca informação, e seria ótimo se essa medida extrapolasse os grandes centros.
.
Árvores bioluminescentes, tecnologia desenvolvida por pesquisadores taiwaneses através de algas marinhas e nanopartículas.
9. Tornam as ruas perigosas à noite
Mais uma vez o homem tentando resolver seus problemas criando outros problemas. Se o local fica muito escuro à noite, cabe iluminá-lo. Não faz sentido cortar árvores por questões de insegurança, afinal se uma cidade é perigosa, ela o é com ou sem arborização. Já é sabido que cidades amplamente arborizadas tem índices de criminalidade mais baixos, e a explicação é simples: quando governo e população começam a valorizar a coletividade, os serviços começam a ser melhor oferecidos, as pessoas se comprometem com o lugar em que vivem, com o meio ambiente e, concomitantemente, com as outras. As oportunidades e a consciência aumentam e a desigualdade diminui. Não é mágica, é sentimento de pertencimento.
.
.
Homem dorme entre os galhos de uma árvore na zona sul do Rio de Janeiro. Foto: Fabiano Ristow/ TV Globo
10. Abrigam moradores de rua
Mais uma desculpa comumente dada por quem não gosta de árvores – nem de pessoas, por sinal. Se as pessoas não tem casa, melhor que fiquem abrigadas. Melhor ainda se forem tratadas com respeito e amparadas por políticas sérias de habitação.
……………………………………………………………………………………………………………………………………………….
Como você pode ver, a maioria dos problemas causados por árvores vem da negligência, da falta de planejamento, de conhecimento e de generosidade dos cidadãos e do poder público. Muitos prejuízos poderiam ser evitados se esse assunto fosse encarado com seriedade. Espero que tenham gostado do texto e que sirva de reflexão: se você não gosta de árvores, que repense; e se gosta, que passe a mensagem adiante e mexa-se para tornar sua localidade mais arborizada, plantando ou cuidando das árvores. Peça consultoria da prefeitura de sua cidade, nos conte como foi. E deixe sua opinião também: concorde, discorde, o debate pode ser enriquecedor pra todos. Abraços!