Pesquisadores da USP e da Unicamp constatam, por meio de análises
químicas da tipuana, diminuição nos níveis de poluição por metais
pesados na zona oeste da cidade
Imagem: Tipuanas na Cidade Universitária, no Butantã, zona oeste de São Paulo. Foto: Marcos Santos/USP Imagens
Ao caminhar ou trafegar pelas vias mais arborizadas de São Paulo há uma grande chance de avistar ou passar ao lado de uma tipuana (Tipuana tipu), árvore de porte avantajado e com copa ampla e densa, a mais comum na cidade.
Originária da Bolívia, a tipuana começou a ser plantada em São Paulo na primeira metade do século XX. Além de prover sombra e uma série de outros benefícios ambientais, ela também pode revelar a evolução da poluição na cidade.
Pesquisadores do Instituto de Biociências e da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), em colaboração com colegas da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), têm utilizado a tipuana como marcadora dos níveis de poluição da cidade por metais pesados e outros elementos químicos.
Ao analisar a composição química dos anéis de crescimento – círculos
concêntricos na parte interna do tronco – e de cascas de exemplares da
árvore na capital paulista, os pesquisadores constataram redução na
poluição por
cádmio, cobre,
níquel e
chumbo na zona oeste de
São Paulo nos últimos 30 anos.
Com
resultados publicados na revista Environmental Pollution,
os pesquisadores do IB e da FMUSP começaram a avaliar nos últimos anos a
possibilidade de analisar a composição química das cascas e dos anéis
de crescimento de árvores a fim de reconstituir os
níveis de poluição ambiental de São Paulo no longo prazo. Para isso, três espécies de árvores mais comuns na cidade foram selecionadas: o alfeneiro (
Ligustrum sp), a sibipiruna (
Caesalpinia pluviosa) e a tipuana.
Essa última, que foi introduzida em São Paulo principalmente pela
Companhia City – responsável pela criação de bairros planejados e
arborizados na cidade, como o Jardim Europa, Pacaembu e Alto de
Pinheiros –, revelou-se a melhor para realizar estudos nessa área,
denominada dendroquímica.
“A tipuana se mostrou a melhor espécie de árvore para fazermos
análises químicas tanto de seus anéis de crescimento anual como das
cascas para avaliar a
poluição ambiental da cidade”, disse Giuliano Maselli Locosselli, pós-doutorando no IB-USP e primeiro autor do
estudo, à Agência FAPESP.
A árvore, que é uma das que mais caem em São Paulo e por isso começou
a ser substituída por espécies nativas, absorve pelas raízes elementos
químicos, como metais pesados,
presentes na atmosfera e carreados para o solo pela água das chuvas.
Esses compostos são transportados junto com a seiva pelos vasos da
planta e ficam armazenados em sua madeira, nos anéis de crescimento, à
medida que ela cresce.
Cada um desse anéis representa um ano de vida da planta, sendo os
maiores os mais recentes e os menores (mais internos) os mais antigos.
Ao analisar a composição química, pode-se medir a concentração de metais
pesados no solo de um determinado ambiente no ano em que o anel foi
formado. E, ao comparar as concentrações dos anéis, avaliar como a
presença desses elementos químicos variou em uma escala de décadas.
“Se uma árvore tem 50 anos, por exemplo, ela contará a história da
poluição na cidade nesse período”, disse Locosselli. Já as cascas da
tipuana permitem avaliar a concentração de elementos químicos presentes
na atmosfera e que se depositaram passivamente nessa parte externa do
tronco da árvore.
Ao medir a concentração de elementos químicos – como metais pesados –
de amostras de cascas de diversas árvores espalhadas por São Paulo, por
exemplo, consegue-se avaliar a variação espacial desses elementos
químicos na atmosfera da cidade em escala de anos.
“Como a casca é uma parte mais simples de se obter da planta do que
os anéis de crescimento anual e o custo das análises químicas delas
também é menor, é possível analisar as cascas de diversas árvores e
cobrir uma grande área. Isso permite ver como a poluição por metais
pesados e outros elementos químicos se distribui por toda a cidade”,
disse Locosselli.
Diminuição da concentração
Os pesquisadores realizaram um estudo inicial em que analisaram a
distribuição de cádmio, cobre, mercúrio, níquel, sódio, chumbo e zinco
em anéis de duas espécimes de tipuana plantadas no jardim da Faculdade
de Medicina da USP, situada na zona oeste da cidade. O objetivo do
estudo foi avaliar as mudanças temporais nos níveis de poluição por
metais pesados nessa região da cidade.
Para obter amostras dos anéis de crescimento anual das duas árvores,
com 35 anos de idade, foi usada uma sonda Pressler, também conhecida
como trado de incremento. O instrumento, semelhante à broca de uma
furadeira, mas com o interior oco, é capaz de extrair uma amostra
cilíndrica do interior da árvore, que mostra todos seus anéis de
crescimento anual, da casca até o centro da planta, sem prejudicá-la. “É
como se fosse uma biópsia da árvore”, disse Locosselli.
As amostras, de 15 milímetros, dos anéis de crescimento anual das
árvores foram encaminhadas para o professor Marco Aurelio Zezzi Arruda,
do Instituto de Química da Unicamp. Por meio de uma técnica, chamada
ablação a laser acoplada a espectrometria de massas, foi possível
escanear e gerar imagens das amostras a partir de um software e analisar a distribuição dos elementos químicos nos anéis de crescimento anual das árvores.
A partir dessas imagens, os pesquisadores definiram quais eram as
células de interesse e fizeram análises contínuas de todos os anéis de
crescimento anual para determinar as concentrações dos elementos
químicos em cada ano de vida das plantas.
As análises dos dados indicaram que houve redução da poluição
por cádmio, cobre, níquel e chumbo nas últimas três décadas na região
onde estão situadas as espécimes de tipuana analisadas. A redução dos
níveis de sódio e zinco foi menos significativa.
“A diminuição dos níveis de chumbo pode ser atribuída à eliminação
gradual desse elemento químico na composição da gasolina, enquanto a
tendência decrescente da poluição por cádmio, cobre e níquel
provavelmente está relacionada ao aumento da eficiência dos veículos e à
desindustrialização de São Paulo”, disse Marcos Buckeridge, professor
do Instituto de Biociências da USP e um dos autores do estudo, à Agência
FAPESP.
O
chumbo tetraetila era usado na composição da
gasolina
comum como aditivo com o intuito de melhorar o desempenho do motor dos
automóveis abastecidos com o combustível e reduzir seu desgaste. A
utilização do composto liberava chumbo na fumaça do escapamento dos
veículos – o que gerava diversos efeitos danosos à saúde e fez com que o
Brasil proibisse o chumbo tetraetila de ser adicionado à gasolina nos
veículos terrestres no país a partir de 1988.
Já as maiores fontes de cádmio são a
indústria eletroeletrônica,
além de pigmentos de esmaltes, tintas têxteis, baterias, fotografia,
litografia e pirotecnia, fabricação de plásticos, de semicondutores,
células solares, queima de combustível, lixo urbano, tratamento da
borracha e galvanoplastia. Por sua vez, o cobre tem como principais
fontes de emissão as queimas de resíduos urbanos e industriais,
fundições de ligas metálicas e pesticidas.
“Como São Paulo tem passado por um período de desindustrialização há
algumas décadas, diminuiu a emissão desses elementos químicos. Com isso
ocorreu uma redução na concentração desses metais em São Paulo”, disse
Locosselli.