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Usinas termoelétricas a carvão estão entre principais emissoras de carbono na atmosfera (Foto: AP Photo/Charlie Riedel) |
Cada geração deixa para a seguinte um legado, uma herança, uma
marca de sua passagem pela Terra. Quando na última quinta-feira (9),
dois diferentes observatórios internacionais confirmaram a concentração
recorde de 400 partes por milhão de C02 na atmosfera, materializamos um
dos mais terríveis legados da nossa geração. Se for para ser assim, é
bom que saibamos exatamente o que isso significa.
O comentário é de
André Trigueiro, jornalista, e publicada no
blog Mundo Sustentável, 13-05-2013.
Apesar de todos os alertas da comunidade científica – especialmente do grupo de aproximadamente 2.500 cientistas reunidos no
Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas da ONU
– chegamos ao patamar considerado de risco para que os fenômenos
climáticos ocorram de forma minimamente previsível e não ameace a vida
tal como a conhecemos. Ou seja, estaríamos maculando o software
inteligente da natureza através do qual os ciclos climáticos se
resolvem.
Sim, ao longo de sua história o planeta já sofreu várias glaciações e
já conheceu períodos de concentrações ainda mais intensos de CO2 na
atmosfera. O fato é que jamais tamanha acumulação de gases na atmosfera
aconteceu tão rapidamente, determinando em um período tão curto de tempo
variações tão importantes de temperatura. Em resumo: este novo ciclo de
aquecimento global guarda uma forte relação com nossos hábitos,
comportamentos, padrões de consumo e estilos de vida.
É como diz
Nate Lewis, do Instituto de Tecnologia da
Califórnia: “A composição da atmosfera terrestre tem permanecido
relativamente imutável por 20 milhões de anos. Mas nos últimos 100 anos,
começamos a transformar de forma drástica essa atmosfera, e a mudar o
equilíbrio de calor entre a Terra e o Sol, de modo que essas mudanças
poderão afetar enormemente o habitat de cada planta, animal ou ser
humano neste planeta”.
A capacidade de o planeta “metabolizar” os gases-estufa através de
fenômenos naturais de absorção pelos oceanos, solos e florestas é de
aproximadamente 5 bilhões de toneladas por ano. Apenas no ano de 2008
(no auge da crise internacional e com as economias do mundo
desaceleradas) emitiu-se 7,9 bilhões de toneladas com a queima de
combustíveis fósseis e 1,5 bilhão de toneladas com os desmatamentos.
Esses 4,4 bilhões de toneladas a mais vão se acumulando lenta e
perigosamente na atmosfera, agravando a retenção de calor.
Os 10 anos mais quentes já registrados desde o início das medições,
em 1880, ocorreram a partir de 1996. A concentração de 400 ppm de CO2
registrada dias atrás projeta um cenário de aquecimento – se nada for
feito e continuarmos aumentando nesse ritmo as emissões de gases-estufa –
que poderá chegar aos 6,4 ºC graus até o final do século.
Professor de Política Ambiental em Harvard e ex-presidente da Associação Americana para o Progresso da Ciência,
John Holdren
explica de forma bastante simples os impactos da elevação da
temperatura do planeta: “A temperatura normal de seu corpo é cerca de 37
ºC. Quando sobe um pouco, até 39 ºC, isso já é uma coisa grave, e
mostra que há alguma coisa errada com você”.
O degelo das calotas polares (que vem acontecendo numa velocidade
superior à prevista pelos estudiosos) e a expansão volumétrica dos
oceanos já determinaram a elevação do nível do mar entre 10 cm e 20 cm
no século passado. Parece pouco, mas não é. Em um planeta mais quente
esses processos serão intensificados e deverão modificar a geografia
costeira dos continentes com impactos diretos sobre aproximadamente 600
milhões de pessoas que vivem em áreas mais vulneráveis.
Haverá também mudanças importantes nos ciclos de degelo em
cordilheiras nevadas como os Andes e os Himalaias. Isso significa a
interrupção do abastecimento regular de água em períodos de estiagem em
países como
China,
Índia e
Peru,
com graves impactos na produção de alimentos. Certas culturas agrícolas
mais sensíveis já estão sendo realocadas pois não se adaptam facilmente
à mudança do clima. Isso tem provocados sucessivas quebras de safra e
riscos reais para a segurança alimentar em várias partes do mundo.
A acidificação dos oceanos – causada pelo acúmulo de CO2 – e a
elevação da temperatura da água já estão determinando perdas importantes
nos ecossistemas marinhos. A principal delas é a morte dos corais, base
da cadeia alimentar de inúmeras espécies. Sem redes de corais
resilientes e saudáveis, os impactos econômicos e sociais sobre quem
pesca, quem processa o pescado e quem se alimenta de peixes e frutos do
mar é incalculável.
São muitos os estudos revelando os impactos das mudanças climáticas
sobre espécies animais e vegetais. Nos diferentes reinos da natureza,
nem todos os seres vivos se adaptam a mudanças de temperatura.
Considerando o nível de interdependência entre as espécies, cada perda
significa um novo risco sistêmico, enfraquecendo a “teia da vida”.
A mudança do ciclo da chuva é particularmente dramática em países
como o Brasil, que depende de “São Pedro” para manter uma agricultura
forte e pujante e uma matriz energética fortemente baseada em
hidroeletricidade. Para sustentar o nível dos rios e das represas em
padrões adequados, é preciso chover no lugar certo, e de preferência,
nos períodos certos.
O agravamento dos chamados eventos extremos – aumento do poder de
destruição de furacões, ciclones, tornados, tufões, secas, inundações
etc – tornou obrigatória a definição de novos protocolos de segurança,
alertas meteorológicos, macrodrenagem urbana, contenção de encostas,
remoção das áreas de risco e etc.
São muitas as mudanças necessárias e urgentes na direção da mitigação
(redução das emissões de gases-estufa) e adaptação (ações que reduzam
os impactos inevitáveis causados pelas mudanças climáticas). O incrível –
ou melhor, o absurdo – é que a ampla maioria dos países endossa os
alertas da comunidade científica, financia as pesquisas de ponta
relacionadas às mudanças climáticas, assina acordos internacionais
importantes como o do
Clima (1992) e o
Protocolo de Kyoto (1997), envia representantes para as
Conferências das Partes organizadas pela ONU para debater o assunto, mas, apesar de tudo isso, não consegue praticar o que fala.
É enorme a distância que separa as “boas intenções” das medidas
concretas e efetivas que reduzam os estragos das mudanças climáticas.
São muitos os chefes de estado que posam com o cenho franzido na foto,
declaram-se publicamente preocupados e comprometidos, mas que nada ou
pouco fazem. A atual geração de líderes políticos entra para a história
como os avalistas do indigesto legado de 400ppm de CO2 na atmosfera.
Esse descolamento entre o discurso engajado e as políticas públicas se materializou fortemente no ano passado durante a
Rio+20
(o maior encontro internacional da História em número de países),
quando a proposta de se reduzir ou eliminar os subsídios da ordem de 1
trilhão de dólares destinados anualmente à exploração de petróleo foi
solenemente ignorada na Cúpula. O
Brasil, por exemplo,
que realiza esforços e manobras contábeis sem precedentes para financiar
a exploração do petróleo na camada pré-sal, foi contra.
Trata-se do mesmo governo que ignorou o prazo estipulado pela
Política Nacional de Mudança do Clima
(abril do ano passado) para que fossem anunciadas as metas para a
redução das emissões de gases estufa em setores específicos da nossa
economia.
Fundador do
World Watch Institute, atual presidente do
Earth Policy Institute, o pesquisador
Lester Brown, em um dos capítulos do livro “
Plano B 4.0”,
resumiu da seguinte maneira o tamanho do desafio que os atuais chefes
de estado não parecem dispostos a enfrentar com a devida celeridade:
“Dada a necessidade de simultaneamente estabilizar o clima e a
população, erradicar a pobreza e restaurar os sistemas naturais da
Terra, a civilização enfrenta, neste início de século XXI, desafios sem
precedentes. Responder bem a pelo menos um deles já seria algo
importante. Mas o grave quadro exige responder efetivamente a cada um
deles ao mesmo tempo, tendo em vista a interdependência entre os
problemas”.
Tal como hoje se dá na
Alemanha, quando as novas
gerações estudam o nazismo nas escolas e depois, em casa, os netos
perguntam para os avôs: “O que o (a) senhor (a) fez para impedir isso?”,
é bastante provável que em um futuro próximo também os nossos netos nos
perguntem: “Quando se confirmou o risco do pior cenário climático, o
que o (a) senhor (a) fez para impedir isso?”
Qual será a sua resposta?
http://g1.globo.com/platb/mundo-sustentavel/