Anos 80, período de efervescência no meio rural,
da chamada Revolução Verde e da Ditadura Militar, surgia o Projeto
Vacaria, atual Centro Ecológico Ipê, que completa 30 anos. Desde a
fundação, em janeiro de 1985, trabalha para viabilizar ações
sustentáveis na produção agrícola, adotando tecnologias alternativas,
visando a preservação ambiental e a justiça social.
O trabalho resgata o manejo da biodiversidade e a tradição alimentar,
estimula a organização de agricultores e consumidores. Visa também o
desenvolvimento de mercados para produtos ecológicos, à formulação e a
criação de políticas públicas que incentivem a agricultura sustentável.
A ação acontece por meio de visitas, reuniões, cursos e oficinas de
capacitação e planejamento. O Centro Ecológico assessora organizações de
agricultores familiares a produção, processamento e comercialização de
alimentos.
Parceria
As parcerias frutificaram na forma de Associações de Agricultores
Ecologistas (AAEs). Essas instituições se caracterizam pela prática da
agricultura ecológica, por estarem organizadas em pequenos grupos, pela
industrialização artesanal e por buscarem canais alternativos para a
comercialização da produção.
Em 1991, o projeto Vacaria passa a se denominar Centro de Agricultura
Ecológica Ipê (Cae/Ipê), caracterizando nova fase, onde o foco passa a
ser menos a unidade produtiva da instituição e mais o acompanhamento às
AAEs.
Em 1997, nova modificação. O trabalho se caracteriza por ir além da
produção ecológica e vincula-se a ecologização da propriedade como um
todo, do indivíduo que nela trabalha e das relações sociais nas quais
está inserido. Assim o Centro de Agricultura Ecológica Ipê passa a se
denominar de Centro Ecológico Ipê.
Consumidor
A partir de 1999, o Centro Ecológico se envolve também com o estímulo
à formação de cooperativas de consumidores, a partir da percepção que a
participação ativa dos consumidores é condição indispensável para o
desenvolvimento desse trabalho.
A trajetória tem feito com que o Centro Ecológico colabore como
interlocutor e referência na atividade; no surgimento e na qualificação
de iniciativas em agricultura limpa, desenvolvidas no Brasil e no mundo,
beneficiando o setor com permanente intercâmbio.
Atuação
O Centro Ecológico concentra sua atuação na Serra e no Litoral Norte.
Cada uma das regiões possui características socioambientais
diferenciadas, o que contribui para alimentar a reflexão sobre os
princípios da agricultura ecológica e sua forma de operacionalização em
contextos específicos.
Maria José Bocchese Guazzelli
A história do Centro Ecológico de Ipê está diretamente ligada à
engenheira agrônoma Maria José Guazzelli, 60 anos. Em 1984 começou a
coordenar o Centro Ecológico (antigo Centro Demonstrativo e de
Treinamento em Agricultura Ecológica ou projeto Vacaria). Natural de
Antonio Prado, é formada pela Faculdade de Agronomia da Universidade
Federal do Rio Grande do Sul.
Na década de 80, participou da elaboração da Lei dos Agrotóxicos
(7747/82) e concluiu o curso superior de Alimentação de Animais
Domésticos, no Institut National Agronomique Paris-Grignon, Paris,
França. É coautora e tradutora de diversos livros. Foi docente, treinou
agrônomos e técnicos agrícolas e ocupou diversos cargos públicos.
Correio Riograndense - O que motivou a senhora a incentivar a produção ecológica?
Maria José Guazzelli - Tinha lido e convivido com a
produção ecológica quando morei na França, no final dos anos 70 e na
época da faculdade. Quase na mesma época tive contato com José
Lutzemberg e convive com agricultores ecológicos na Europa. Enquanto
isso, no Rio Grande do Sul a Assembleia Legislativa discutia a lei dos
Agrotóxicos. Quando a gente, na Assembleia, falava que era possível
produzir sem químicos, a resposta é que era impossível a produção de
alimentos sem veneno. Aí surgiu a ideia, no começo dos anos 80, de
demonstrar na prática que era possível. Essa é a origem do que é o
Centro Ecológico. Foi quando um grupo de técnicos disse que faria e
mostrou que se poderia para trabalhar com isso.
CR - E como foi começar?
Guazzelli -Tínhamos à disposição uma área em
comodato. No início, tinha muito ceticismo de todos, do serviço de
extensão e do poder público. Na medida conseguimos mostrar algumas
práticas, em parceria com a Pastoral da Juventude Rural, por meio do
padre Schio, o projeto ficou mais próximo dos agricultores. Essas
primeiras famílias começaram a produzir, sempre trocando informações e
experiências. Isso já era metade dos anos 80.
CR – Por que o Projeto Vacaria?
Guazzelli - Ipê pertencia ao município de Vacaria.
Com a emancipação, em 1989, a primeira administração municipal encampou a
ideia. E ainda trouxe a Emater, com a finalidade de implantar a
agricultura ecológica. Aí começamos a trabalhar junto com o técnico
agrícola Delvino Magro (já falecido). “Esse embrião cresceu. E em
Antônio Prado, padre Schio atraiu jovens e outros padres, como o pe Remi
Casagrande.
CR - E essa caminhada, olhar para trás e ver tantas conquistas, por vezes virando o jogo, o que representa para você?
Guazzelli – É uma satisfação muito grande, mas ainda
tem uma grande caminhada pela frente. É uma alegria porque vejo
concretizado aquilo que acreditava - os jovens produtores dando
sequência ao projeto em suas propriedades. Esse grupo conseguiu encarar.
Com isso, consegue-se comprar produtos ecológicos da Serra e Litoral em
vários lugares do estado. Começou com aquele embrião, evoluimos muito,
mas ainda tem muito para avançar.
CR - Em termos de legislação, qual a influência na criação de novas leis?
Guazzelli – No Brasil, participamos de comissões e
grupos que trabalham nas políticas federais em relação à agroecologia.
Ipê foi o primeiro município brasileiro a instituir que 40% dos
alimentos da merenda escolar fossem oriundos da produção ecológica.
Conseguimos muito em nível de estado, espacialmente com o apoio da
ex-deputada Marisa Formolo, que também dinamizou a agroecologia dentro
da Assembleia Legislativa.
CR - Qual a maior dificuldade para que se possa avançar mais na questão da produção e consumo?
Guazzelli - A maior dificuldade é mudar a forma de
pensar. Não é a questão técnica. É na família, com quem se decide que há
dificuldade. Outra coisa é o desequilíbrio nas verbas. Por exemplo, as
grandes indústrias de venenos e adubos estão constantemente com
propagandas, afirmando que sem seus produtos não dá para produzir. O
extencionista, basicamente, e grande parte das cooperativas trabalham
assim. São poucas as que atuam só com produtos ecológicos orgânicos. É
um jogo de forças muito desequilibrado. Mesmo assim, tem havido mudanças
significativas, porque a questão da saúde é um problema na área rural, o
envenenamento e a intoxicação é realidade. Isso ajuda a abrir os olhos.
Outra questão é a capacidade de retorno financeiro que dá tranquilidade
a o produtor.
Redação Jornal Correio Riograndense