Equipe da Embrapa Florestas (PR) conseguiu clonar uma
araucária (Araucaria angustifolia) de cerca de 700 anos que tombou
durante um temporal no Paraná, um feito inédito na pesquisa florestal
brasileira.
A árvore, com 42 metros de altura, era considerada a
maior do estado da espécie, que é um símbolo da paisagem local.
O projeto de resgate genético resultou em mudas clonadas que
foram plantadas em Cruz Machado, cidade onde a árvore original
estava.
A araucária caiu depois de um
temporal no dia 29 de outubro de 2023
A clonagem de uma planta tão antiga apresentou grandes
desafios, pois a regenerabilidade de tecidos de árvores idosas é reduzida. No
entanto, o pesquisador conseguiu produzir quatro mudas de tronco, preservando o
DNA da árvore original.
“Resgatar uma araucária tão antiga e cloná-la com sucesso
é uma conquista científica”, comemora o pesquisador da Embrapa Ivar Wendling.
Por serem originárias de tecidos adultos, as mudas clonadas
irão originar árvores de porte menor mas que começam a produzir pinhão mais
cedo do que uma árvore convencional, o que pode beneficiar produtores rurais
interessados no uso sustentável da espécie. O pinhão, além de ser um alimento
tradicional, tem valor comercial crescente e pode representar uma fonte de
renda adicional para agricultores.
No entanto, Wendling alerta que as mudas ainda são delicadas
e requerem cuidados especiais nos primeiros anos de desenvolvimento, incluindo
irrigação e controle de competidores naturais. “A árvore original sobreviveu
por séculos, mas essas mudas precisam de atenção para que possam crescer
saudáveis e continuar esse legado”, explica.
A clonagem
A técnica usada para esta clonagem foi a enxertia, que
consiste em unir um fragmento da planta original a uma muda jovem. No caso da
araucária clonada, logo que a árvore caiu foram coletados brotos, que foram
então enxertados em mudas já estabelecidas, garantindo que o novo indivíduo
possua o mesmo material genético da planta original. Esse processo permite a
regeneração da árvore a partir de suas próprias células, mantendo
características como resistência e produtividade.
Brotos coletados (Embrapa)
O enxerto pode ser feito a partir de brotos do tronco ou do
galho da árvore, resultando em diferentes formatos de plantas.
As mudas de tronco tendem a crescer como árvores
convencionais, enquanto as de galho originam as chamadas “mini araucárias”. Os
dois tipos produzem pinhões mais precocemente. Após a enxertia, as
mudas passam por um período de crescimento antes do plantio definitivo em
campo.
No caso de árvores idosas, a clonagem é mais difícil devido
à baixa capacidade de regeneração dos tecidos mais velhos. Com o passar
dos anos, as células das plantas, reduzem sua taxa de multiplicação e perdem
parte de sua capacidade de originar novos indivíduos.
Além disso, árvores muito antigas possuem um sistema
hormonal diferente do de plantas jovens, o que pode dificultar o crescimento
dos enxertos e reduzir o sucesso da clonagem.
No caso desta araucária, com idade estimada em cerca de
700 anos, o pesquisador da Embrapa precisou realizar experimentos para
identificar as condições ideais de cultivo das mudas clonadas. O
sucesso do procedimento representa um avanço na tecnologia florestal, abrindo
caminho para a conservação genética de outras árvores centenárias.
Araucária gigante de Cruz Machado –
produtora Terezinha de Jesus Wrubleski
Clones plantados em locais simbólicos
O plantio das mudas ocorreu em dois locais distintos. Uma
delas foi levada de volta à propriedade rural de Terezinha de Jesus Wrubleski,
onde a araucária original estava.
“Fico muito feliz de poder ter essa nova árvore aqui,
como uma filha da antiga”, comemora Wrubleski (veja vídeo abaixo).
Segundo ela, a antiga araucária atraía visitantes
interessados em sua imponência, e a nova muda representa uma continuação dessa
história.
“Minha família já está há mais de 70 anos nessa
propriedade e a araucária era parte da nossa família. Agora, poderemos mostrar
a sua ‘filha’”, conta.
Outra muda foi plantada no Colégio Agrícola de Cruz
Machado, em um evento com estudantes, professores e autoridades
locais.
A escolha do colégio agrícola como local para receber a muda
reforça a importância da educação na conservação da biodiversidade. Para o
diretor da instituição, Anilton César Michels, a presença da araucária servirá
como ferramenta didática para os alunos.
“Esse é um momento histórico para nossa escola e para a
cidade”, afirma.
Segundo o diretor pedagógico da instituição, Anderson
Kaziuk, o plantio incentivará os alunos a desenvolver o cultivo da araucária em
suas propriedades, consorciado com a erva-mate, diversificando a produção e
gerando renda para a agricultura familiar.
“E o processo de acompanhar o crescimento dessa araucária
vai ser único, não é mesmo?”, complementa Kaziuk.
Para os estudantes, a oportunidade de acompanhar o
crescimento de uma árvore clonada é uma experiência única.
“Quero voltar daqui a alguns anos para ver como ela está
e quem sabe colher alguns pinhões”, diz o aluno Reginaldo Litka.
A professora Ana Carolina Majolo reforça que o aprendizado
sobre a araucária pode mudar a percepção dos alunos sobre o uso sustentável da
floresta.
“Antes, muitos viam a árvore como um empecilho. Agora,
entendem que ela pode ser um recurso valioso”, explica.
Outra muda foi plantada no Colégio
Agrícola de Cruz Machado
A técnica de clonagem utilizada pelos cientistas permitiu a
produção de mudas a partir de brotos de tronco, garantindo que a nova geração
mantenha a genética da árvore original. Diferente das mudas geradas por
sementes, que podem resultar em árvores geneticamente variadas, as mudas
clonadas preservam características únicas da planta mãe, como por exemplo o
formato dos pinhões época de produção.
Além do plantio das mudas, os estudantes do colégio agrícola
participaram de uma palestra sobre a importância da araucária na biodiversidade
e seu potencial econômico para a agricultura familiar. A espécie, que já cobriu
grandes extensões do Sul do País, hoje está ameaçada pela exploração
descontrolada realizada no passado.
“Precisamos encontrar formas de preservar a araucária e,
ao mesmo tempo, torná-la economicamente viável para os produtores”, ressalta
Wendling.
O prefeito de Cruz Machado, Carlos Novak, reforça o valor
simbólico do projeto: “Essa árvore faz parte da história do nosso
município. Hoje, aprendemos a conservá-la e a usá-la de forma sustentável”.
O secretário de Agricultura da cidade, Daniel Waligura,
complementa: “A madeira da araucária já foi usada para construir casas,
mas agora ela também pode ser um ativo econômico vivo”.
O projeto também prevê a doação de uma das mudas clonadas
para o Governo do Estado do Paraná e a preservação de outra na coleção genética
de araucária da Embrapa Florestas, garantindo a continuidade das pesquisas
sobre a espécie.
“Essa árvore tem um DNA único e precisamos estudar o que
a tornou tão resistente”, conclui Wendling.