Plantio de árvores nativas no DF faz água brotar do solo
Projeto incentiva produtores rurais a reflorestar áreas e criar cobertura vegetal que aumenta a infiltração da água na terra
RESUMINDO A NOTÍCIA
- Projeto possibilita produção de água a partir de reflorestamento
- Programa é parceria de 17 entidades e agricultores da bacia do Ribeirão Pipiripau
- Criação de cobertura vegetal permite melhor infiltração de água e cria reservatório subterrâneo
- DF está com reservatórios de água em níveis acima da média e não há risco de racionamento
Enquanto o Brasil atravessa uma das piores crises hídricas de sua história, o Distrito Federal segue no contrafluxo e está com seus reservatórios em níveis acima da média. Com o volume de chuvas dentro da normalidade e o abastecimento à população sem grandes riscos, a capital também realiza programas para melhorar ainda mais a gestão do recurso natural, como o projeto que possibilita a agricultores reflorestar áreas e fazer a água brotar do solo, literalmente.
O “Projeto Produtor de Água” foi elaborado para reduzir erosão e assoreamento de mananciais em áreas rurais com a finalidade de melhorar a qualidade da água. O programa é realizado junto a agricultores voluntários na região da bacia hidrográfica do Ribeirão Pipiripau, na região de Planaltina.
Os produtores contribuem fazendo o plantio de vegetação nativa para melhorar as condições de infiltração da água da chuva no solo, criando uma espécie de “caixa d’água subterrânea”. Com isso, surgem mais nascentes e há maior produção de água para utilização na atividade agrícola e para o consumo da população.
"Tendo uma boa cobertura vegetal, seja de palha, de árvore ou outras plantações, a copa das árvores amortece a velocidade da água da chuva. Com isso, essa água desce mansamente pelos troncos e folhas das árvores e tem condições de infiltrar no solo. Quando há um excesso no lençol freático, ela brota", afirma o engenheiro-agrônomo e produtor rural Sumar Magalhães Ganem, do Núcleo Rural Taquara.
Ganem é um dos produtores voluntários que participam do projeto. Ao todo, 187 propriedades rurais já receberam R$ 2,4 milhões para ações de conservação ambiental apenas de recursos vindos da Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural do Distrito Federal (Emater), durante os dez anos de programa no DF.
Outro produtor participante é Rodinaldo Xavier Pereira, dono de uma propriedade de 18 hectares, sendo 10 ha para cultivo de grãos, 4 ha para produção de frutas e 4 ha em área de preservação ambiental. Foram plantadas 15 mil mudas apenas nas terras dele.
“É perceptível que há mais água, novas nascentes, animais que não se via e que hoje se vê. Tudo se deve a esse reflorestamento. É difícil dizer, mas uns 30% de volume de água e de mais nascentes com certeza aumentou”, afirma Pereira.
A água produzida no local é destinada quase toda para a natureza, segundo Pereira. Ele declara que não utiliza nem 1% do que é gerado em sua propriedade.
“Todo ele é para a natureza, vai abastecer até cidades mesmo. Forma um volume que vai abastecer Planaltina e Sobradinho, e ainda sobra água.”
O projeto
O programa está em operação desde 2001 e foi adotado no DF em 2011. Segundo a Agência Nacional de Águas (ANA), a iniciativa já possibilitou o plantio de 400 mil mudas e outros 48 hectares de vegetação por semeadura direta durante o período.
Como cada propriedade tem uma característica diferente e as técnicas utilizadas também variam de acordo com a localidade, a agência informa não ser possível quantificar a produção hídrica a partir do programa.
Tanques cheios
Os dois principais reservatórios de água para abastecimento da população do Distrito Federal têm registrado níveis acima da média neste ano. O DF passou por uma crise hídrica em 2017, mas desde então não teve mais problemas nessa área.
O volume útil do reservatório do Descoberto estava em 91,1% em 20 de agosto último. O índice é 7% maior do que o valor de referência para este período, de acordo com a Adasa.
A última vez que o índice esteve abaixo de 70% foi em 4 de janeiro de 2020, quando o percentual chegou a 69,5%. Em novembro de 2017, no auge da crise hídrica na capital, o nível chegou a 5,3%.
O reservatório de Santa Maria estava com 91,6% de volume útil em 20 de agosto. Em novembro de 2019, o percentual chegou a 21,8, nível mais baixo dos últimos cinco anos. Segundo a Adasa, o valor atual é 8% acima do valor de referência.
Gestão de recursos hídricos
O volume de chuvas registrado no DF está dentro do normal em 2021, em relação à média histórica anual, segundo o superintendente de Recursos Hídricos da Adasa, Gustavo Carneiro. No ano hídrico que se encerra no fim de agosto, as 20 estações de monitoramento da agência registraram um total de 1,3 mil milímetros cúbicos de chuva acumulada.
“Há dez anos, ter um volume de 1,5 mil metros cúbicos de chuva era razoável para atender as demandas da população do DF. Hoje, conseguimos atender a essa demanda com um volume menor de chuvas porque a gestão da água é melhor”, diz Carneiro.
O superintendente afirma que o “Projeto Produtor de Águas” é um dos programas que contribuem positivamente para a gestão de recursos hídricos. Com o plantio de vegetação nativa e maior infiltração de água no solo, os agricultores podem utilizar o recurso natural em suas produções e consumir menor quantidade de toda a água do sistema de abastecimento.
“Eles também passam a disponibilizar mais águas para outros produtores, outros proprietários passam a adotar os procedimentos, tudo se torna mais eficiente. O projeto ajuda a integrar ações e a conectar os atores envolvidos. Isso ajuda no intercâmbio de boas práticas”, declara o gestor da Adasa.
O Projeto Produtor de Água é coordenado pela Agência Reguladora de Águas, Energia e Saneamento Básico do DF (Adasa) e conta com a colaboração técnica de mais 16 entidades, entre elas ANA, Emater, Secretaria de Estado da Agricultura, Abastecimento e Desenvolvimento Rural (Seagri), Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) e Universidade de Brasília (UnB).
A iniciativa foi premiada com o segundo lugar no concurso “Water ChangeMaker Awards” (Produtores de Mudanças em Relação à Água), que recebeu 340 projetos de sustentabilidade de 80 países de todo o mundo. O anúncio foi feito durante o Climate Adaptation Summit (CAS2021), evento internacional sobre adaptação às mudanças climáticas, realizado na Holanda.
Com o sucesso do programa, o intuito dos organizadores é ampliá-lo para outras regiões do DF. “Só aqui na Bacia do Pipiripau, onde hoje estamos na faixa de 200 participantes, há uma expectativa de a gente incrementar em mais 100% o número de produtores, já no próximo ano ou, no mais tardar, em um ano e meio”, afirma o produtor Sumar Ganem.