FONTE: http://www.ihu.unisinos.br/78-noticias/565320-agroecologia-e-hora-de-pensar-em-outras-maneiras
Engenheiro agrônomo especializado em agroecologia,
Eduardo Cerdá defende a necessidade de desenvolvimento de
outro modelo agropecuário, menos dependente de insumos e sem consequências para a saúde ou para o meio ambiente.
Eduardo Cerdá é vice-presidente do Centro de Graduados da Faculdade de Agronomia da Universidade de La Plata, conselheiro de campo e uma referência na produção agroecológica com participação em casos emblemáticos (como na fazenda La Aurora, em Benito Juárez, Buenos Aires). Também é membro da Sociedade Científica Latino-Americana de Agroecologia (SOCLA) e um ativista de um outro modelo agropecuário. Nesta entrevista ele fala sobre a necessidade de implementar a agroecologia, alguns exemplos concretos, as consequências do agronegócio, o papel da universidade e as potencialidades do setor.
A entrevista é de Darío Aranda, publicada por ALAI, 24-02-2017. A tradução é de Henrique Denis Lucas.
Eis a entrevista.
O que é agroecologia?
É tornar os conceitos de ecologia e de produção agropecuária compatíveis.
Em uma nova prática?
Na agronomia há muitas ramificações, como na medicina. A
agroecologia é um desses ramos, uma especialização, uma forma profunda de compreender a produção agropecuária. É um ramo relativamente novo para os agrônomos formados com muito pouca base ecológica. Infelizmente a
agronomia e a
veterinária sempre estiveram mais voltadas para a produção, sempre em busca de rendimento, e isso nos fez ter um olhar muito baseado nos insumos agrícolas. O engenheiro agrônomo acaba preocupado com este ou aquele produto e com suas doses. Perdeu-se de vista tudo o que está relacionado com a ecologia, a relação entre vegetais, solos, animais. Esse olhar é muito necessário e nos deparamos com a falta de profissionais para projetar, desenvolver e acompanhar o produtor em sua produção tratando de alterar o
meio ambiente o menos possível.
Isso está relacionado com o uso de agroquímicos?
Muitas vezes as pessoas dizem que não querem pulverizar suas plantações, pois as doenças nas áreas pulverizadas são muito notórias. E, geralmente, as instituições dizem que não é possível produzir sem agrotóxicos. Isso é a falta de informação. Quem sabe eles não saibam como produzir. Mas existem estratégias para fazê-lo.
Algum exemplo concreto?
Em quinze anos, na região sudeste de Buenos Aires, obtivemos uma média de mais de 3.300 quilos de trigo, mais de 5.000 quilos agora (entre 2014 e 2015), e em comparação com os vizinhos, estamos em situação muito parecida. Com a diferença de que, na medida em que os solos e as plantas são favorecidos, não usamos fertilizantes químicos ou herbicidas. Mantemos um custo de 150 dólares por hectare e os vizinhos foram subindo, pois já estão quase entre 350 e 420 dólares de custo (safras de 2014/15 e 2015/16). Mantivemos o nível dos custos e os rendimentos foram subindo.
O que dizem os produtores vizinhos?
Eles ficam interessados, mas não estão informados de que existem tais alternativas. É um processo a ser feito com os produtores. Mostrar que a tecnologia proposta (transgênicos) prometia um excesso de otimismo, pois acreditava-se que com um herbicida tudo poderia ser controlado, mas a natureza não funciona dessa forma. As plantas tornaram-se resistentes, antes os gastos com herbicidas custavam oito dólares e agora custam 30, anteriormente eram usados dois litros por hectare e agora são necessários mais de dez litros. Onde isso vai parar? O produtor está vendo que essas linhas de raciocínio estão levando-o a um alto uso de agroquímicos, com alto risco tanto para o seu bolso quanto para a sua saúde. É um beco sem saída.
Quais são suas opções?
Há uma outra maneira de fazer isso. A agroecologia é uma ferramenta para pensar e se colocar a favor da vida. Em vez de controlar os insetos e plantas através de venenos, é possível fazê-lo de outra maneira, que funciona bem. É hora de pensar em outras maneiras. A agroecologia vem para trazer elementos da ecologia, que são princípios universais de gestão de estabelecimentos agropecuários com um olhar sistêmico, para trabalhar em equilíbrio e usar muito poucos insumos externos.
O que falta para fomentar este modelo?
Requer um olhar diferente para o campo, para protegê-lo, e ao mesmo tempo, isso irá favorecer o produtor. Há de se ter bem claro que nenhum pesticida é necessário para produzir alimentos. Trata-se de pensar em outro tipo de agricultura e isso não significa voltar 60 anos atrás, como alguns costumam dizer. Também é necessário esclarecer que não existem receitas, pois não se trata de copiar, porque cada região tem sua particularidade e é necessário tentar e ir adaptando.
Qual é o papel da universidade?
Muito importante. Nem todos os profissionais querem produzir para o modelo atual e há produtores que querem um outro tipo de agricultura. Os cidadãos não querem pulverização perto de suas casas, por isso é fundamental que seja feita uma outra agronomia nessas áreas. E esta é uma oportunidade para os profissionais ao deixarem um modelo de agronomia química que prejudica a saúde.
Em muitos lugares são solicitadas regiões livres de produtos químicos, cinturões agroecológicos.
Os cidadãos têm o direito de não serem pulverizados. Agrônomos e veterinários tomam isso como ofensa, acreditam que não é possível produzir. Ao invés de ofensa para os profissionais, haveria de ser uma oportunidade. A universidade, o Instituto Nacional de Tecnologia Agropecuária da Argentina (INTA), as faculdades de engenheiros agrônomos, todas as entidades devem se aprofundar na agroecologia. É imprescindível produzir sem deteriorar os recursos.
Qual é o seu balanço do modelo de agronegócios, com transgênicos e produtos químicos?
Há vários aspectos. Um deles é a sociedade e a saúde, onde são percebidas doenças, câncer, más formações e desequilíbrios físicos. É uma agricultura com muitos insumos e custos. Relacionando com a farmacologia, a maioria das pessoas usam mais medicamentos e o mesmo acontece na agricultura. É um processo que exige cada vez mais insumos.
Na década de 90 custava 100 dólares para fazer um hectare de trigo, há dez anos custava 200 e hoje custa mais de 300 dólares. Aumentaram os insumos e aumentaram as doses. Você vai ao médico e ele te prescreve um remédio. E então você volta e ele te dá o dobro: é óbvio que a sua saúde não está melhorando. No campo do agronegócio acontece o mesmo. Outro fator é que este modelo repele as pessoas. Em suma, tem consequências para a saúde, para os solos, plantas, animais e para a sociedade. A agroecologia é uma alternativa para evitar essas consequências.