Malationa e permetrina foram os compostos mais detectados em áreas urbanas e industriais, enquanto a atrazina predominou nas zonas agrícolas – Foto: NRCS Photo Gallery/USDA / Domínio Público
FONTE: JORNAL DA USP
Das amostras coletadas em pesquisa, atrazina e malationa são
as substâncias mais associadas ao risco de câncer humano; atrazina teve maior
concentração em região agrícola
Publicado: 05/05/2025 às 8:00 Atualizado:
06/05/2025 às 9:11
Texto: Ivanir Ferreira
Arte: Gustavo Radaelli*
Um estudo do Instituto de Química
(IQ) da USP detectou a presença de pesticidas no ar tanto em áreas urbanas e
industriais quanto nas rurais, desmistificando a ideia de que o ambiente no
campo seja mais limpo do que o da cidade. As análises foram feitas em células
epiteliais de pulmão humano expostas a soluções de pesticidas e a
material particulado (MP) atmosférico, coletados em três regiões do Estado de
São Paulo: Piracicaba – região agrícola; São Paulo – região urbana e
Capuava, Santo André – região industrial. Malationa e permetrina foram os
compostos mais detectados em áreas urbanas e industriais, enquanto a atrazina
predominou nas zonas agrícolas.
Segundo a autora da pesquisa,
Aleinnys Marys Barredo Yera, o pesticida atrazina — um composto organoclorado —
representa o maior risco de câncer para populações em áreas rurais. Já o
malationa, da classe dos organofosforados, oferece maior perigo nas regiões
urbanas. “Os pesticidas organoclorados são altamente persistentes no ambiente,
com capacidade de se acumular no solo, na água e na cadeia alimentar. Já os
organofosforados, embora se degradem mais rapidamente, são extremamente tóxicos
e podem causar efeitos neurológicos agudos em casos de exposição direta”, diz a
pesquisadora. No meio rural, o uso desses compostos é comum no controle de
pragas agrícolas, e em áreas urbanas, substâncias como o malationa também são
empregadas no combate a mosquitos transmissores de doenças por meio de
pulverização.
Aleinnys Marys Barredo Yera -
Foto: Arquivo Pessoal
De acordo com a pesquisa, a
exposição contínua por 24 horas a concentrações iguais ou superiores a 352
picogramas por metro cúbico (pg/m³) desses pesticidas no ar pode aumentar
significativamente o risco de câncer ao longo da vida, especialmente em bebês,
considerados mais vulneráveis e pelo baixo peso corpotal. Aleinnys
explica que essas substâncias são citotóxicas, têm potencial para causar danos
ou morte celular, além de possuírem propriedades oxidativas, o que favorece a
formação de radicais livres e pode provocar danos a proteínas, células e até ao
DNA humano.
Concentrações médias de
pesticidas encontradas no ar em São Paulo, Piracicaba e Capuava -2017
Ar em zona rural pode ser mais
tóxico que o urbano
A pesquisa também derruba a
percepção de que áreas rurais tenham o ar mais limpo do que as regiões urbanas.
“Em Piracicaba, amostras de
material particulado atmosférico devido à presença de pesticidas e outros
compostos orgânicos apresentaram níveis mais altos de carcinogenicidade,
citotoxicidade e potencial para induzir estresse oxidativo do que as amostras coletadas
em uma região da capital paulista”, relata a professora Pérola Castro
Vasconcellos, orientadora do estudo.
Pérola Castro Vasconcellos -
Foto: Arquivo Pessoal
Cálculos de exposição diária por
inalação de pesticidas também mostraram que as populações que moravam na área
agrícola estavam mais expostas do que as que moravam nas regiões urbanas.
Compostos como heptacloro e malationa, ambos associados a riscos cancerígenos,
foram encontrados em níveis mais elevados na zona agrícola do que na urbana, o
que indica maior risco de desenvolvimento de câncer entre a população rural.
O estudo ainda mostrou que a
combinação de diferentes pesticidas presentes no ar tem efeito tóxico mais
significativo do que a ação isolada de cada composto. “Como as amostras de
Piracicaba continham uma maior mistura desses contaminantes, os efeitos à saúde
tendem a ser mais severos”, explica Aleinnys.
Coletas por região
Em 2018, amostras de material
particulado foram coletadas simultaneamente em três regiões durante 26 dias,
com análise das concentrações diárias de pesticidas para avaliar a qualidade do
ar. Em São Paulo, o equipamento de medição foi colocado no terraço do Instituto
de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas (IAG) da USP, na Cidade
Universitária, região arborizada, e próxima (2 km) da Marginal Pinheiros, um
dos lugares de possíveis alvos de aplicação de pesticidas. Em Piracicaba, no
Campus da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq) da USP e em
Capuava, região metropolitana de São Paulo, próximo ao Polo Petroquímico.
De acordo com a professora
Pérola, os sítios onde foram feitas as coletas apresentaram picos de
concentração de pesticidas em momentos diferentes, o que revela o uso intensivo
dessas substâncias em diversos setores. A atrazina teve sua maior concentração
em Piracicaba, região agrícola, com 163 pg/m³, enquanto em São Paulo, a área
urbana, atingiu 93 pg/m³. Em Capuava, zona industrial, a substância não foi
detectada. Já a substância malationa apresentou os maiores níveis no sítio de
Capuava (concentração média de 101 pg/m³), seguida por São Paulo (88 pg/m³) e
Piracicaba (79 pg/m³). O composto permetrina, por sua vez, foi mais encontrado
no sítio da capital paulista (concentração média de 140 pg/m³), seguida de
Capuava (108 pg/m³) e Piracicaba (93 pg/m³).
|
Pesticida |
São Paulo (urbano) |
Piracicaba (rural) |
Capuava (industrial) |
|
Atrazina |
93 pg/m³ |
163 pg/m³ |
0 |
|
Malationa |
88 pg/m³ |
79 pg/m³ |
101 pg/m³ |
|
Permetrina |
140 pg/m³ |
93 pg/m³ |
108 pg/m³ |
Em São Paulo, capital, foram
coletadas amostras de material particulado durante duas campanhas, nos anos de
2017 e 2018. Em 2017, dos 34 pesticidas estudados, 18 foram detectados e 13
quantificados. Os compostos mais frequentes encontrados nas amostras foram o
permetrina 1 e 2 (100%), diazinon (93%), β-endosulfan (87%), bifentrina (60%) e
etiona (53%). Na campanha de 2018 foram estudados 11 compostos e sete foram
detectados com alta frequência, com destaque para o malationa.
Em Piracicaba, município
localizado a 369 km da capital paulista, as análises de amostras de material
particulado foram realizadas em 2008 e 2018. Na campanha de 2018, feita
simultaneamente com outras cidades, quatro pesticidas foram detectados em todas
as amostras coletadas: atrazina (163 pg/m³), heptacloro (78 pg/m³), cresoxim
metílico (50 pg/m³) e λ-cialotrina (210 pg/m³).
Segundo Aleinnys, apesar de
ocupar a segunda posição em concentração (163 pg/m³), “o atrazina merece maior
atenção, porque esse pesticida permanece por mais tempo no meio ambiente e sua
dispersão na atmosfera ocorre tanto na fase particulada quanto na gasosa por
até 11 meses após a aplicação, reforçando seu potencial de contaminação
atmosférica”.
Entre os pesticidas encontrados
em 2008, alguns chamam a atenção pela sua presença significativa. O inseticida
etiona, amplamente utilizado em diversas lavouras, foi detectado em todas as
amostras analisadas, com a maior concentração registrada de 160 pg/m³. Outro
pesticida amplamente detectado foi o λ-cialotrina, também comum em áreas
agrícolas.
Aleinnys explica que embora o
etiona e o λ-cialotrina sejam frequentemente usados em regiões rurais na
agricultura, alguns
estudos mostraram a presença destas substâncias em áreas
urbanas, sugerindo que os pesticidas podem se dispersar para fora de sua área
de aplicação direta. “Em 2017, medições feitas nas cidades de São Paulo e em
Houston (EUA) encontraram concentrações mais elevadas de λ-cialotrina, 41 pg/m³
e 57 pg/m³, respectivamente, superando os 27 pg/m³ observados em Piracicaba”,
diz.
O heptacloro, um pesticida que
já havia sido banido no Brasil quatro anos antes da coleta, foi detectado em
todas as amostras coletadas em Piracicaba, com concentrações máximas de 89
pg/m³. “Esse resultado indica a persistência do composto no ambiente, mesmo
após a proibição de seu uso, o que levanta questões sobre os impactos a longo
prazo e a eficácia da fiscalização do uso de substâncias proibidas”, relata a
pesquisadora.
Em Capuava, situada na região de
Santo André, na grande São Paulo, campanhas de amostragem foram realizadas
entre 2015 e 2018. Durante os quatro anos de coleta, o pesticida malationa foi
o mais detectado em todas as amostras. Em 2015, os pesticidas mais frequentemente
encontrados (em mais de 50% das amostras) foram o malationa (100%), o
β-endosulfan, o permetrina 1 e 2 (93%) e o heptacloro (87%). A maior
concentração registrada foi de 827 pg/m³ para o permetrina 2, o que representa
o nível mais alto já reportado para um pesticida no material particulado
atmosférico do Estado de São Paulo.
Em 2016, o malationa continuou a
ser o único composto detectado em todas as amostras, com a maior concentração
registrada de 161 pg/m³. Em 2017, observou-se o maior número de compostos
detectados por amostra, com destaque para o etiona, que alcançou a maior
concentração registrada no período, 750 pg/m³. Em 2018, os resultados foram
similares.
A pesquisadora diz que os testes
de potencial oxidativo, que expuseram células epiteliais de pulmão humano ao
material particulado coletado nas áreas estudadas e a soluções de pesticidas,
indicaram que amostras de Capuava apresentaram forte correlação entre
pesticidas organoclorados e o estresse oxidativo celular — um fator que pode
causar danos crônicos ao sistema respiratório. Segundo a pesquisadora, esses
compostos são reconhecidos como disruptores endócrinos, e estudos de
saúde na região já apontaram aumento nos casos de disfunções na
tireoide. Ela destaca a necessidade de um estudo epidemiológico mais
aprofundado para investigar essas possíveis relações.
Agricultura brasileira
A pesquisadora Aleinnys reconhece
que a agricultura é crucial para a economia brasileira, com o País sendo líder
global na produção de diversos alimentos. No entanto, esse crescimento resultou
na expansão das áreas cultivadas e no uso intensivo de pesticidas, tornando o
Brasil o maior consumidor dessas substâncias. A pesquisadora aponta que a
solução não é eliminar os pesticidas, pois sua ausência poderia reduzir a
produção de alimentos em até 78%, dependendo das condições específicas
de cada região e das práticas agrícolas implementadas. Contudo, ela enfatiza a
necessidade de um controle mais rigoroso sobre a quantidade aplicada e os tipos
de pesticidas utilizados, tanto no campo quanto nas áreas urbanas.
Parte da pesquisa que trata sobre
as concentrações dos pesticidas e os riscos da inalação já foi publicado em
três artigos científicos: Pesticides in the atmosphere of urban sites with different
characteristics, Particulate
matter–bound organic compounds: levels, mutagenicity, and health risks e Occurrence
of Pesticides Associated to Atmospheric Aerosols: Hazard and Cancer Risk
Assessments. Em junho de 2025, será apresentada a tese pelo
Instituto de Química da USP, Pesticidas na Atmosfera de Cidades
do Estado de São Paulo: Avaliação de Riscos para a Saúde, orientada pela
professora Pérola de Castro Vasconcelos e coorientada pela professora Ana Paula
de Melo Loureiro, da Faculdade de Ciências Farmacêuticas (FCF) da USP.
Mais informações: professora
Pérola de Castro Vasconcellos (orientadora da pesquisa), perola@iq.usp.br e
Aleinnys B. Yera (autora da pesquisa), aleinnysb@usp.br; professora Ana Paula
de Melo Loureiro, apmlou@usp.br
*Estagiário sob orientação de
Moisés Dorado
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