Uma nova cultura
FONTE: SITE O PIONEIRO
gustavo laurindo
| Produtor de São Francisco de Paula colheu uma tonelada neste ano
FERNANDO SOARES
fernando.soares@pioneiro.com
Ingrediente
responsável por gerar o amargor e o aroma característicos da cerveja, o
lúpulo começa a ganhar espaço em solo gaúcho. Cinco produtores, sendo
quatro deles na Serra, decidiram apostar no cultivo da flor nos últimos
três anos. E os resultados das primeiras safras colhidas indicam que a
cultura, tradicional em países como Alemanha e Estados Unidos, tem um
futuro promissor no Rio Grande do Sul.
O início do plantio de lúpulo no Estado não ocorre à
toa. O foco dos produtores é atender ao mercado cervejeiro nacional, que
tem se expandido em ritmo acelerado. Segundo o Ministério da
Agricultura, o Brasil conta 679 cervejarias. Cinco anos atrás, havia
menos de 200 estabelecimentos cadastrados no país. O Rio Grande do Sul,
atualmente com 142 empresas, lidera a fabricação de cerveja.
Como hoje todo o lúpulo utilizado na fabricação da
bebida é importado, muitos investidores viram na produção da flor um
nicho a ser explorado. No momento, o cultivo se encontra em um estágio
inicial. A principal área plantada no Estado e uma das maiores no
Brasil, até agora, é a do produtor Gustavo Laurindo, de São Francisco de
Paula. Ele começou a fazer experimentos em 2015 nas terras de sua
família. Desde então, deixou o emprego que tinha em uma indústria de
Caxias do Sul e investiu em torno de R$ 500 mil para estruturar a
plantação em um hectare.
Neste ano, entre fevereiro e abril, Laurindo colheu uma
tonelada da flor. Foi sua primeira safra comercial e mais da metade dela
já foi vendida para microcervejarias e cervejeiros amadores. Os 500
quilos que restaram do insumo devem acabar em poucos meses, pois há
acordos encaminhados para o fornecimento a outros seis estabelecimentos
em diferentes regiões do país.
Para a próxima safra, Laurindo vai expandir a área para
dois hectares, com o objetivo de colher duas toneladas. Ao todo, são
cultivadas 10 variedades, sendo cascade, chinook e columbus as
principais. A longo prazo, as metas são ainda mais ambiciosas
– Em até sete anos, imagino produzir 10
toneladas ao ano, conforme vá expandindo a área. A tendência é de que o
mercado absorva toda essa produção – projeta.
No país
O
Rio Grande do Sul não é o único Estado no qual a cultura está sendo
implementada. Atualmente, existem 31 produtores espalhados por sete
unidades federativas, com uma área plantada que não passa de 20
hectares, segundo a Associação Brasileira de Produtores de Lúpulo
(Aprolúpulo). A criação da entidade começou a ser articulada no final de
2016 e será formalizada neste mês, em uma assembleia em Lages, Santa
Catarina.
O objetivo do grupo é conectar os interessados em
realizar o cultivo em solo brasileiro e fomentar a produção da flor em
escala comercial.
– O plantio de lúpulo é muito recente. Não
existe ainda uma cadeia produtiva formada no Brasil. Hoje ninguém está
produzindo em escala comercial – comenta Alexander Creuz, que deverá ser
eleito o primeiro presidente da Aprolúpulo.
Proprietário de uma empresa de assistência
técnica especializada em lúpulo, o agrônomo catarinense Felipe Francisco
calcula que a cultura deve levar de 10 a 15 anos para se consolidar no
Brasil. Ou seja, ainda há um longo caminho até a produção nacional
conseguir se tornar uma alternativa real à importação do ingrediente.
Por outro lado, os resultados obtidos até agora são animadores.
–
O potencial do cultivo do lúpulo é muito grande, maior do que
imaginávamos inicialmente. Fazendo experimentos, vimos que é possível
cultivar em várias regiões – explica.
Entretanto, o lúpulo de qualidade, com alto
teor de óleos essenciais, deverá ser obtido, principalmente, na Serra
Gaúcha e na Serra Catarinense. Para Francisco, essas duas regiões devem
concentrar a maior parte da produção brasileira, em função de
características como clima e altitude. Desta maneira, ele lembra que o
lúpulo é uma flor que requer bastante horas de sol e temperaturas amenas
no verão para se desenvolver.
Dentro da flor de lúpulo, há alguns pontos amarelos chamados de lupulina. Eles congregam diversas substâncias, como resinas e óleos essenciais, que são responsáveis por dar o amargor e o aroma à cerveja.
Produtores por estado
Fonte: Aprolúpulo
“Loucura” que deu certo
Marcelo Casagrande
diversas frentes | Bastiani vende mudas, investe no cultivo comercial e ainda faz a própria cerveja
– Tu és louco, isso não vai dar certo.
Esta foi a frase que o produtor Guilherme de
Bastiani, de Nova Roma do Sul, mais ouviu quando dizia para familiares e
amigos que iria vender sua empresa de distribuição de bebidas para se
dedicar ao cultivo de lúpulo. Em 2015, ele comprou algumas mudas em São
Paulo e plantou-as no quintal de casa. Na primeira vez, o resultado
desejado não apareceu. Mas, após insistir e fazer outras tentativas, os
cones verdes brotaram. A loucura começava a dar certo.
Vendo que o lúpulo nascia na Serra, Bastiani montou uma
estufa caseira, na qual testa novas variedades e multiplica as mudas. Ao
compartilhar fotos de sua experiência na internet, gente de todo o
Brasil passou a procurá-lo para comprar plantas. Esse virou um nicho de
atuação. Há semanas nas quais o produtor comercializa mais de 100 mudas,
ao preço médio de R$ 35 por unidade.
Bastiani ainda decidiu apostar no cultivo comercial do
lúpulo. Para isso, comprou meio hectare de terra, no ano passado, e
colocou cerca de 200 plantas das variedades cascade e chinook. Entre
fevereiro e abril, colheu 30 quilos em sua primeira safra. Metade da
produção foi vendida para uma cervejaria de Florianópolis. Com a outra
metade, o produtor fabrica sua própria cerveja. Para ter estoque do
ingrediente até a próxima safra, ele secou e embalou a vácuo as flores, o
que garante a longevidade durante o ano.
E em 2019, a produtividade deve aumentar substancialmente.
– Vou aumentar para 750 mudas na próxima safra e devemos colher em torno de 150 quilos no total – afirma.
Em Nova Roma do Sul, o cultivo acontece de uma
maneira pouco convencional, na horizontal, como ocorre tradicionalmente
com a uva. Neste modelo, a planta atinge em torno de 2 metros de altura,
facilitando a colheita dos cones. Da maneira convencional, na vertical,
o pé de lúpulo pode chegar a até seis metros de altura.
O produtor Natanael Moschen, de Gramado, é outro que
optou por cultivar lúpulo no formato igual ao de parreiral. Em uma área
com dois hectares, ele deve colher sua primeira safra comercial em 2019,
quando deverá ter em torno de 1,5 tonelada da flor. Neste ano, ele
obteve uma pequena quantidade e comercializou apenas para paneleiros,
aquelas pessoas que fazem cerveja em casa.
– No ano que vem, teremos produção plena, e a ideia é oferecer às cervejarias – destaca Moschen.
O gramadense constata que o mito de que o
lúpulo não renderia no Brasil é coisa do passado. Segundo Moschen, a
cultura tem se adaptado bem à Serra, ainda que às vezes haja problemas
com ácaros, formigas e fungos na plantação. Ainda assim, as pragas têm
sido controladas, muitas vezes sem o uso de agrotóxicos. Adubo orgânico e
chá de fumo são alguns dos ingredientes utilizados pelos produtores
gaúchos na atividade.
NATANAEL MOSCHEN, DIVULGAÇÃO
EM GRAMADO | Moschen pretende colher primeira safra comercial no ano que vem
O tamanho do mercado
Água,
levedura, lúpulo e malte. Dos ingredientes básicos da cerveja, o lúpulo
era, até pouco tempo, o único sem produção no mercado interno. Por
conta disso, nos últimos anos, cresceu a importação do insumo. Segundo
dados do Ministério de Indústria, Comércio Exterior e Serviços (Mdic),
compilados pela Fundação de Economia e Estatística (FEE), o Brasil
comprou 36,4 toneladas de lúpulo estrangeiro no primeiro trimestre de
2018. A quantidade é superior a todo o volume importado em 2017, quando o
país trouxe 34,6 toneladas do Exterior.
A Aprolúpulo estima que os negócios envolvendo a
aquisição do produto movimentam mais de US$ 50 milhões por ano no país,
com perspectivas de crescimento. Neste sentido, a produção nacional vai
abrir possibilidades até então inexistentes para as cervejarias
brasileiras, que poderão utilizar lúpulo fresco e em flor. Hoje, o
produto importado geralmente é de safras antigas e costuma chegar
beneficiado em formato de pellet.
– O lúpulo que vem para Brasil é o que sobrou no
Exterior. Se a gente conseguir ter lúpulo mais perto e o utilizarmos
fresco, mais qualidade pode ter a cerveja – argumenta Rodrigo Ferraro,
presidente da Associação Gaúcha de Microcervejarias.
A existência de uma produção brasileira pode
baratear os custos das cervejarias no futuro. Atualmente, um quilo de
lúpulo importado é vendido por R$ 150 a R$ 300, dependendo da variedade.
O brasileiro sai entre R$ 200 e R$ 400, mas a tendência é de que o
preço baixe conforme aumente a produção interna.
As primeiras cervejas com lúpulo gaúcho
MARCELO CASAGRANDE
mercado | Procura pela cerveja com lúpulo local é alta, diz Gazzola
Aos
poucos, as primeiras cervejas feitas com lúpulo nacional chegam aos
copos dos consumidores. A cervejaria Imaculada, de Caxias do Sul, foi
uma das primeiras a colocar no mercado um rótulo feito exclusivamente
com o insumo gaúcho. Trata-se de uma Summer Ale produzida com flores
frescas oriundas de São Francisco de Paula. A bebida começou a ser
fabricada menos de oito horas após a colheita dos cones verdes e foi
lançada no final de abril.
Ao todo, a Imaculada fez 1 mil litros do rótulo, sendo
que a maior parte foi envasada em garrafas de 500ml. Segundo o
sócio-proprietário da empresa, Marcus Gazzola, a intenção era
experimentar o lúpulo local de maneira despretensiosa. O resultado
surpreendeu positivamente, gerando uma cerveja com aromas que remetem à
erva-mate e bergamota.
Ainda assim, Gazzola analisa que o lúpulo gaúcho, no momento, fica devendo em alguns aspectos, se comparado com os estrangeiros.
– O nosso lúpulo não é tão intenso, talvez por
ser de primeira safra. Os americanos são mais intensos. Mas o gaúcho
pode ser um lúpulo nobre (que pode ser utilizado não só para amargar,
mas para dar aroma à cerveja) – classifica Gazzola.
A procura pela cerveja com lúpulo gaúcho tem
sido intensa. A cervejaria caxiense já forneceu para estabelecimentos em
Caxias e São Paulo e tem negócios encaminhados para outros lugares do
Rio Grande do Sul e do nordeste do país.
A Taberna MF, de Gramado, é outra cervejaria que apostou
nas flores de São Francisco de Paula. O estabelecimento fez uma
releitura de uma American Pale Ale (APA), que já era produzida com
insumos importados. Foram fabricados 1,2 mil litros da bebida, que
passará a ser disponibilizada apenas nas torneiras do bar ainda em maio.
– Resolvemos experimentar o lúpulo gaúcho até
para incentivar esse tipo de investimento. O mercado cervejeiro só tem a
ganhar com esse plantio – salienta Elenilton Baretta, mestre-cervejeiro
da Taberna MF.
A tendência é de que o número de cervejas
contendo lúpulo gaúcho se multiplique ao longo deste ano. Há, pelo
menos, uma dezena de rótulos brasileiros que estão sendo preparados com o
insumo do Rio Grande do Sul e logo devem ser disponibilizados para
venda.
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