Pesquisas
desenvolvidas pela Embrapa e o Serviço Geológico do Brasil (CPRM) vem
apontando vantagens na utilização de pó de rocha para a produção
agrícola. Mais do que uma prática de nicho, voltada a produtores de
orgânicos, a economia gerada com a diminuição do uso de fertilizantes
convencionais também deve chamar atenção de proprietários de grandes
lavouras. Além de diminuir a dependência brasileira de insumos vindos do
Exterior, a adoção da matéria-prima ajuda a reduzir a presença de
substâncias químicas nos alimentos.
Délcio Donemann nota que não há diferença visível entre o morango cultivado com pó de rocha e outro adubo Foto: Omar Freitas / Agencia RBS
Parte
da pesquisa é desenvolvida no Rio Grande do Sul, na propriedade de 22
hectares de Délcio Donemann, no interior de Pelotas. Lado a lado com a
produção de aproximadamente 8 mil plantas de morangos do produtor,
técnicos da Embrapa Clima Temperado cultivam a fruta adotando o mesmo
manejo, mas utilizando o pó de rocha para fertilização.
— No ano
passado, produzimos, em média, 400 gramas por planta, resultado
semelhante ao que o produtor alcançou no sistema convencional, ambos
impactados pelo clima. Por isso, é fundamental o cultivo próximo —
explica Vanessa Fernandes Araujo, que analisou os efeitos do uso do
fertilizante natural na produção de morangos no mestrado e no doutorado.
—
Fizemos levantamento de custo de produção de um hectare de morango.
Nosso manejo de adubação custou R$ 5 mil. Seu Délcio gastou
aproximadamente R$ 15 mil, três vezes o valor — completa Vanessa.
Desenvolvida
há pelo menos seis anos, a pesquisa respeita a rotação de culturas na
propriedade e também é aplicada no cultivo de melão e alface, com
resultados de produtividade semelhantes.
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De
acordo com os pesquisadores, a técnica logo poderá ser replicada para
produção familiar no Estado que, em geral, cultiva o morango no solo.
Para a produção industrial da fruta, porém, bastante comum em municípios
como Feliz e Montenegro, ainda é cedo para falar em fertilização
natural. A adubação em estufas costuma ser diferente.
Redução de custos é atrativa
Em
um primeiro momento o uso do pó de rocha como adubo natural atrai
agricultores que cultivam orgânicos, nicho de mercado cada vez mais
lucrativo para trabalhadores do campo graças ao interesse crescente dos
consumidores. Mas, ao mostrar a alternativa mais barata abre-se novas
oportunidades, principalmente para os produtores de grãos do
Centro-Oeste, que têm grandes custos de logística para transportar o
fertilizante do porto até a fazenda.
Remineralização das lavouras é uma das vantagens, segundo os pesquisadores Adilson Bamberg, Vanessa Araujo e Carlos Posser (d) Foto: Omar Freitas / Agencia RBS
Ao
adotar fontes naturais, a perda de produtividade, observada em um
primeiro momento, seria compensada pela redução de despesas com insumos.
—
Produzir pensando só na produtividade está com os dias contados. O
consumidor quer saber como é cultivado o alimento que consome, o que
abre espaço para outros tipos de insumos, com menos químicos. Isso tanto
nas lavouras de grãos quanto nas de frutas — afirma o pesquisador da
Embrapa, Carlos Augusto Posser, um dos orientadores de Vanessa.
Retorno
às origens - Hoje totalmente disseminado no cultivo de grandes
culturas, o uso de fertilizantes solúveis só começou a ser empregado na
agricultura brasileira a partir de 1960. A "descoberta" de produtos que
ajudavam a tornar o solo mais fértil só aconteceu na década de 1940 a
partir da pesquisa do uso de nitrogênio e enxofre para armamento durante
a 2ª Guerra Mundial. Até então, a única alternativa de produtores para
fertilizar a lavoura era investir na adoção de insumos naturais, entre
os quais o pó de rocha. A prática é adotada até hoje em larga escala em
países africanos, muito populosos e sem grande volume de recursos para
investir em produção.
Cuidado com falsificados
Produtores
interessados em utilizar pó de rocha para fertilizar o solo encontram
dificuldades para comprá-lo no país de maneira legal.
Até o
momento, apenas uma empresa, de Minas Gerais, tem o produto liberado
para comercialização pelo Ministério da Agricultura. Pelo menos outras
oito indústrias, entre as quais, duas gaúchas, a Fida, de Caçapava do
Sul, e a Caxiense, de Caxias do Sul, contam com insumos em fase final de
testes junto a órgãos de fiscalização. No entanto, ainda não estão
disponíveis no mercado.
É comum encontrar no interior do Estado
pessoas vendendo pó extraído de pedreiras como insumo para agricultura.
Mas sem um selo oficial é impossível garantir a qualidade do
fertilizante comercializado.
No médio prazo, produtividade semelhante
Os
resultados obtidos nas pesquisas desenvolvidas pela Embrapa até agora
indicam que no médio prazo os solos onde o pó de rocha é aplicado
alcançam índices de produtividade semelhantes a terrenos onde são
adotados fertilizantes convencionais. No longo prazo, o efeito é mais
positivo: propicia a remineralização das lavouras, estimulando a
formação de novos minerais em solos antigos, que já tinham perdido boa
parte dos seus nutrientes. Maior qualidade nutricional dos frutos também
tem sido observado.
Outra vantagem apontada por pesquisadores é a
redução do impacto ambiental. Ao privilegiar o uso de rochas
encontradas na região, produtores evitariam o gasto energético empregado
no deslocamento do insumo ao redor do mundo. Hoje, a maior parte dos
fertilizantes usados no país vem do outro lado do oceano, de países como
Marrocos e Alemanha.
O projeto seria usar pedreiras regionais
para ajudar na agricultura local, assim o produtor não precisaria se
deslocar mais de 100 quilômetros para adquirir o insumo.
— Não
acho que o pó de rocha vá substituir totalmente o uso de fertilizantes
solúveis algum dia. Mas é uma alternativa importante. Aliás, um não
exclui o outro. Pelo contrário, o uso de diferentes fontes orgânicas
aumenta o seu potencial — explica o pesquisador Carlos Augusto Posser.
Segundo
Posser, o pó de rocha pode ser usado associado à compostagem, por
exemplo, misturado com esterco de aves ou de suínos. Exemplo é a
Cooperativa dos Citricultores Ecológicos do Vale do Caí (Ecocitrus), de
Montenegro, que mistura resíduos orgânicos ao pó de rocha encontrado no
município.
AS ETAPAS DA PESQUISA
Coleta das rochas —
Junto com profissionais do Serviço Geológico do Brasil (CPRM),
pesquisadores da Embrapa saem a campo em busca de rochas com indícios de
potencial nutritivo para a agricultura. Investigação prévia mostra
alvos potenciais.
Análise do material — Após a coleta, é feita a
caracterização do material, com levantamento das propriedades da pedra.
São apontados os nutrientes presentes e descrito o tipo de solo que se
forma sobre a rocha, por exemplo.
Pesquisa em estufas — Começam os
estudos em estufas. Pesquisadores conferem se o potencial nutritivo se
confirma na prática, ou seja, se a planta consegue, de fato, absorver os
nutrientes presentes na pedra. Outro ponto importante observado é a
velocidade de absorção das substâncias. É preciso que o tempo de sucção
seja compatível com a produção agrícola. Quando muito lento, o efeito é
bastante limitado.
Ensaios de granulometria — São realizados
ensaios para descobrir a forma mais efetiva de colocar a planta em
contato com os nutrientes presentes na rocha. Em alguns casos, o
indicado é transformar a pedra em pó, em outros, em pequenas partículas
(grânulos).
Teste de comparação — Depois de uma triagem de pelo
menos quatro anos nas estufas, o pó de rocha começa a ser aplicado em
uma propriedade. São levados a campo apenas os materiais que
apresentaram alto desempenho. Em alguns canteiros são aplicados
fertilizantes convencionais e em outros, próximos, o pó de rocha. Assim,
fica mais fácil para o pesquisador analisar a qualidade do fruto e
custos de manejo das duas práticas.
Pedido de registro — Se o
resultado é satisfatório, é encaminhado um pedido de registro do
fertilizante ao Ministério da Agricultura. Só depois disso, o produto
começa ser fabricado em escala e chega ao mercado.
Rochas amigas da agricultura
DacitoComum na Serra gaúcha, é rica em potássio.
XistoPotencializa a disponibilidade de nutrientes de outras rochas.
FonolitoÉ uma fonte alternativa ao cloreto de potássio.