Serge Latouche
Publicado em novembro 24, 2011 por
HC
O
que realmente conta na vida não é mensurável, por isso vivemos uma
“falência da felicidade quantificável”. Por outro lado, “um crescimento
infinito é incompatível com um mundo finito. Quem acredita nisso ou é
louco ou é economista”.
A crítica radical à economia de
Serge Latouche,
ele mesmo economista, além de sociólogo e antropólogo, visa a
descolonizar o imaginário das “ideologias da sociedade moderna”, como
indicadores a exemplo do PIB per capita.
Na noite desta segunda-feira, 21 de novembro, no câmpus de
Porto Alegre da
Unisinos,
Latouche fez a sua primeira conferência dentro do
Ciclo de Palestras: Economia de Baixo Carbono. Limites e Possibilidades, promovido pelo
Instituto Humanitas Unisinos – IHU. Sua fala, intitulada
Desenvolvimento Humano, Decrescimento e a Sociedade Convivial, foi comentada posteriormente por
Plinio Alexandre Zalewski Vargas, diretor da
Secretaria de Governança da
Prefeitura Municipal de Porto Alegre.
Nela, o professor de economia da Universidade de Paris XI – Sceaux/Orsay
retomou o histórico do seu conceito mais importante: o decrescimento.
Seu principal interesse no encontro era apresentar como é possível
encontrar, por meio do decrescimento, a “felicidade na frugalidade
convivial”.
Latouche começou retomando o histórico do
“dispositivo” do PIB (produto interno bruto) per capita, que reduziu a
felicidade a um indicador econômico. Historicamente, segundo ele, na
passagem da felicidade ao PIB, ocorreu uma tripla redução: 1) a felicidade terrestre passou a ser assimilada ao bem-estar material, em sentido físico, palpável; 2)
o bem-estar material foi reduzido ao que pode ser avaliado
quantitativamente, estatisticamente, aos bens e serviços
comercializáveis e consumíveis; 3) a variação da soma dos bens e serviços caracterizaria a diferença entre o PIB e PIL (produto interno líquido ).
Porém, criticou, o PIB só mede a riqueza comercializável,
excluindo-se as transações fora do mercado, como os serviços domésticos,
o voluntariado, o mercado negro etc. No caso brasileiro, exemplificou
Latouche, a destruição da floresta amazônica não é contada no PIB. “O
PIB mede os outputs, ou a produção, e não os outcomes, ou os resultados”, resumindo. Retomando o ex-presidente dos EUA, Kennedy, Latouche
afirmou que o PIB também não inclui a saúde das crianças, a beleza da
poesia, a solidez do casamento, a integridade, a inteligência e a
sabedoria de um povo. “Mede tudo, menos o que faz com que a vida valha a
pena de ser vivida”, resumiu.
Por isso, com o passar do tempo, ao experimentarmos que o
consumo não faz a felicidade, vivemos uma crise de valores. Algumas
tentativas de superar essa mensurabilidade econômica foram, por exemplo,
o
Genuine Progress Indicator (Indicador de Progresso Autêntico), proposto pelo economista norte-americano
Herman Daly,
levando em consideração as perdas causadas, por exemplo, pela poluição e
pela degradação do meio ambiente. Outra proposta foi a da ONG
New Economics Foundation, que, cruzando os resultados das enquetes das organizações da
ONU
sobre o que os anglo-saxões chamam de sentimento do bem-estar vivido
(satisfação subjetiva, esperança média de vida e pegada ecológica per
capita), chegaram a um
Happy Planet Index (Índice do Planeta Feliz).
Segundo
Latouche, também emergiu novamente uma ideia de
economia civil da felicidade, desenvolvida a partir dos
EUA e que tomou um novo curso na
Itália.
Para o pensador francês, os teóricos dessa corrente reabilitam uma
certa forma de sobriedade, unindo-se a outros movimentos, como o do
decrescimento. Mas – e essa é também a sua crítica – veiculam uma certa
ambiguidade, deixando sobreviver o “corpo moribundo” daquilo que
pretendem destruir: ou seja, uma mentalidade que tudo calcula. Abolindo a
fronteira entre o econômico e o não econômico, afirmou Latouche, a
teoria da economia civil deixa o caminho aberto a uma forma de pane da
economização de tudo, que já estava na ideia de
Malthus, tentando incluir dentro dos cálculos o que é incalculável.
Crise de valores
Em síntese, o que essas tentativas demonstram, afirmou
Latouche,
é que “a sociedade dita desenvolvida, da opulência, se baseia em uma
produção massiva, mas também em uma perda de valores”. Assim, retomando
um conceito caro a um teólogo amigo seu,
Raimon Panikkar,
é necessária uma metanoia, ou seja, questionar profundamente o mito do
progresso indefinido. É preciso “resistir ao imperialismo da economia
para reencontrar o social”. “O que realmente conta na vida não se mede”,
sintetiza Latouche.
Portanto, como encontrar a felicidade dentro da frugalidade convivial?
Para isso, Latouche reatualiza a intuição do teólogo
Ivan Illich,
ainda dos anos 1970, do termo convivialidade, que, de certa forma,
encontra-se em sintonia com a proposta andina do bem-viver (
sumak kawsay), que, afirma, “tem mais coerência do que os economistas, que tentam medir o que não é mensurável”.
Felicidade, para Latouche, é a “abundância frugal em uma sociedade solidária”. Uma prosperidade sem objetivo, uma sobriedade voluntária, segundo Illich.
“O projeto de decrescimento que queremos – slogan para marcar uma
ruptura com essa lógica do “sempre mais”, do crescimento indefinido – é
uma saída do ciclo infernal da criação de necessidades e produtos”.
Esse conceito – decrescimento – nasceu em março de 2002, a partir do colóquio da
Unesco “Desfazer o desenvolvimento, refazer o mundo”. Foi a última aparição pública de
Ivan Illich. Em síntese, contou
Latouche, chegou-se à conclusão de que é preciso combater o
desenvolvimento sustentável,
que é uma contradição em termos, porque o desenvolvimento “nada mais é
do que uma transformação qualitativa do crescimento, e um crescimento
infinito é incompatível com um mundo finito”, afirmou. “Quem acredita
nisso ou é louco ou é economista”.
Futuro sustentável
Se o desenvolvimento é uma “palavra tóxica”, Latouche
prefere falar de um “futuro sustentável da vida”. E esse, sim, é
possível. Por isso, a proposta do decrescimento é a da autolimitação e
simplicidade voluntárias, da abundância frugal, da reabilitação do
espírito da doação e da promoção da convivialidade. Se na década de 1960
se falava de círculos virtuosos do crescimento, é necessário um círculo
virtuoso do decrescimento. Uma “mudança de software”, ilustra Latouche,
uma mudança “daquilo que os marxistas chamavam de superestrutura, que
leva a uma mudança da infraestrutura”.
E ele propõe, para isso, oito passos:
- reavaliar
- reconceitualizar
- reestruturar
- realocar
- redistribuir
- reduzir
- reutilizar
- reciclar
Assim, será possível sair do paradigma que nos dominou há dois
séculos, o “paradigma da economia”. “Tendemos a ver tudo sob o prisma da
economia, que, no entanto, é muito recente e limitado a uma única
cultura, uma dentre outras: o
Ocidente”. Por isso, para ele, outra contradição em termos é a
economia solidária.
Em nível teórico, explicou, “é um oximoro, assim como o desenvolvimento
sustentável. A economia existente não é solidária, é baseada na avidez,
no lucro máximo. Caso contrário, estamos no social, no político, na
solidariedade, baseada na lógica da troca, da doação”.
Portanto, sair dessa economicização, para
Latouche, é uma conversão ao contrário. “Temos uma
relação religiosa com a economia.
É preciso nos tornarmos ateus e agnósticos do crescimento. É preciso
reencontrar a abundância perdida”. Descolonizar e deseconomizar o
imaginário é “redimensionar o papel do econômico no social”, limitar a
avidez, limitar o
“greed is good” das escolas de administração.
É, em suma, reapropriar-se, enquanto sociedade, das três bases do
capitalismo: o trabalho, a terra e o dinheiro. “Não é abolir o
capitalismo – esclarece Latouche –, é mudar o nosso software, a nossa
educação, é possibilitar regulações, hibridações e proposições concretas
para chegar à abundância frugal”.
Para ajudar nessa “reformatação”, não basta seguir a “via” do decrescimento. Latouche
prefere falar do “tao do decrescimento”, palavra chinesa que, além da
dimensão de caminho, percurso, remete também à ética. “Não é possível
encontrar a felicidade sem restringir e limitar os nossos desejos – a
autolimitação que se encontra nos ameríndios, na África, no passado do Ocidente,
no epicurismo. Todas as sabedorias do mundo têm essa ideia
fundamental”, explica. É necessário, hoje, dominar o que os gregos
consideravam como o perigo por excelência: a hybris, a desmedida.
Aceleração do decrescimento?
Em pleno andamento de um “plano de aceleração do crescimento”, Latouche tem esperança no Brasil. Para ele, o país foi um “precursor do decrescimento”, a partir das propostas nascidas em Porto Alegre, de um outro mundo possível, ou em figuras como Chico Mendes, ou no Manifesto Ecossocialista de Belém,
que, segundo Latouche, está bastante próximo das ideias do
decrescimento. “O Brasil tem todas as condições favoráveis para uma
transição para uma sociedade da abundância frugal”. Para isso, basta
superar as condições psicológicas limitadas à colonização do imaginário
em torno da economia e do crescimento.
No fim do debate, para os interessados em aprofundar a reflexão,
Latouche indicou o site da revista acadêmica
Entropia (
www.entropia-la-revue.org), dedicada ao estudo do decrescimento, que contém contribuições em francês, inglês, espanhol, italiano e também em português.
A programação do com a presença de
Serge Latouche continua nesta terça-feira com a palestra
Por outro modo de consumir: Descrição de algumas experiências alternativas,
das 16h às 18h, na Sala Ignacio Ellacuría e Companheiros, no IHU. O
restante da programação, que vai até a próxima sexta-feira, dia 25, pode
ser
conferido aqui.
(Por Moisés Sbardelotto)
(
Ecodebate, 24/11/2011) publicado pela
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da Universidade do Vale do Rio dos Sinos – Unisinos, em São Leopoldo,
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