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quinta-feira, 5 de setembro de 2013

Decrescimento: ‘Um crescimento infinito é incompatível com um mundo finito’, por Serge Latouche

 Serge Latouche

Publicado em novembro 24, 2011 por


O que realmente conta na vida não é mensurável, por isso vivemos uma “falência da felicidade quantificável”. Por outro lado, “um crescimento infinito é incompatível com um mundo finito. Quem acredita nisso ou é louco ou é economista”.
A crítica radical à economia de Serge Latouche, ele mesmo economista, além de sociólogo e antropólogo, visa a descolonizar o imaginário das “ideologias da sociedade moderna”, como indicadores a exemplo do PIB per capita.
Na noite desta segunda-feira, 21 de novembro, no câmpus de Porto Alegre da Unisinos, Latouche fez a sua primeira conferência dentro do Ciclo de Palestras: Economia de Baixo Carbono. Limites e Possibilidades, promovido pelo Instituto Humanitas Unisinos – IHU. Sua fala, intitulada Desenvolvimento Humano, Decrescimento e a Sociedade Convivial, foi comentada posteriormente por Plinio Alexandre Zalewski Vargas, diretor da Secretaria de Governança da Prefeitura Municipal de Porto Alegre.
Nela, o professor de economia da Universidade de Paris XI – Sceaux/Orsay retomou o histórico do seu conceito mais importante: o decrescimento. Seu principal interesse no encontro era apresentar como é possível encontrar, por meio do decrescimento, a “felicidade na frugalidade convivial”.
Latouche começou retomando o histórico do “dispositivo” do PIB (produto interno bruto) per capita, que reduziu a felicidade a um indicador econômico. Historicamente, segundo ele, na passagem da felicidade ao PIB, ocorreu uma tripla redução: 1) a felicidade terrestre passou a ser assimilada ao bem-estar material, em sentido físico, palpável; 2) o bem-estar material foi reduzido ao que pode ser avaliado quantitativamente, estatisticamente, aos bens e serviços comercializáveis e consumíveis; 3) a variação da soma dos bens e serviços caracterizaria a diferença entre o PIB e PIL (produto interno líquido ).
Porém, criticou, o PIB só mede a riqueza comercializável, excluindo-se as transações fora do mercado, como os serviços domésticos, o voluntariado, o mercado negro etc. No caso brasileiro, exemplificou Latouche, a destruição da floresta amazônica não é contada no PIB. “O PIB mede os outputs, ou a produção, e não os outcomes, ou os resultados”, resumindo. Retomando o ex-presidente dos EUA, Kennedy, Latouche afirmou que o PIB também não inclui a saúde das crianças, a beleza da poesia, a solidez do casamento, a integridade, a inteligência e a sabedoria de um povo. “Mede tudo, menos o que faz com que a vida valha a pena de ser vivida”, resumiu.
Por isso, com o passar do tempo, ao experimentarmos que o consumo não faz a felicidade, vivemos uma crise de valores. Algumas tentativas de superar essa mensurabilidade econômica foram, por exemplo, o Genuine Progress Indicator (Indicador de Progresso Autêntico), proposto pelo economista norte-americano Herman Daly, levando em consideração as perdas causadas, por exemplo, pela poluição e pela degradação do meio ambiente. Outra proposta foi a da ONG New Economics Foundation, que, cruzando os resultados das enquetes das organizações da ONU sobre o que os anglo-saxões chamam de sentimento do bem-estar vivido (satisfação subjetiva, esperança média de vida e pegada ecológica per capita), chegaram a um Happy Planet Index (Índice do Planeta Feliz).
Segundo Latouche, também emergiu novamente uma ideia de economia civil da felicidade, desenvolvida a partir dos EUA e que tomou um novo curso na Itália. Para o pensador francês, os teóricos dessa corrente reabilitam uma certa forma de sobriedade, unindo-se a outros movimentos, como o do decrescimento. Mas – e essa é também a sua crítica – veiculam uma certa ambiguidade, deixando sobreviver o “corpo moribundo” daquilo que pretendem destruir: ou seja, uma mentalidade que tudo calcula. Abolindo a fronteira entre o econômico e o não econômico, afirmou Latouche, a teoria da economia civil deixa o caminho aberto a uma forma de pane da economização de tudo, que já estava na ideia de Malthus, tentando incluir dentro dos cálculos o que é incalculável.
Crise de valores
Em síntese, o que essas tentativas demonstram, afirmou Latouche, é que “a sociedade dita desenvolvida, da opulência, se baseia em uma produção massiva, mas também em uma perda de valores”. Assim, retomando um conceito caro a um teólogo amigo seu, Raimon Panikkar, é necessária uma metanoia, ou seja, questionar profundamente o mito do progresso indefinido. É preciso “resistir ao imperialismo da economia para reencontrar o social”. “O que realmente conta na vida não se mede”, sintetiza Latouche.
Portanto, como encontrar a felicidade dentro da frugalidade convivial? Para isso, Latouche reatualiza a intuição do teólogo Ivan Illich, ainda dos anos 1970, do termo convivialidade, que, de certa forma, encontra-se em sintonia com a proposta andina do bem-viver (sumak kawsay), que, afirma, “tem mais coerência do que os economistas, que tentam medir o que não é mensurável”.
Felicidade, para Latouche, é a “abundância frugal em uma sociedade solidária”. Uma prosperidade sem objetivo, uma sobriedade voluntária, segundo Illich. “O projeto de decrescimento que queremos – slogan para marcar uma ruptura com essa lógica do “sempre mais”, do crescimento indefinido – é uma saída do ciclo infernal da criação de necessidades e produtos”.
Esse conceito – decrescimento – nasceu em março de 2002, a partir do colóquio da Unesco “Desfazer o desenvolvimento, refazer o mundo”. Foi a última aparição pública de Ivan Illich. Em síntese, contou Latouche, chegou-se à conclusão de que é preciso combater o desenvolvimento sustentável, que é uma contradição em termos, porque o desenvolvimento “nada mais é do que uma transformação qualitativa do crescimento, e um crescimento infinito é incompatível com um mundo finito”, afirmou. “Quem acredita nisso ou é louco ou é economista”.
Futuro sustentável
Se o desenvolvimento é uma “palavra tóxica”, Latouche prefere falar de um “futuro sustentável da vida”. E esse, sim, é possível. Por isso, a proposta do decrescimento é a da autolimitação e simplicidade voluntárias, da abundância frugal, da reabilitação do espírito da doação e da promoção da convivialidade. Se na década de 1960 se falava de círculos virtuosos do crescimento, é necessário um círculo virtuoso do decrescimento. Uma “mudança de software”, ilustra Latouche, uma mudança “daquilo que os marxistas chamavam de superestrutura, que leva a uma mudança da infraestrutura”.
E ele propõe, para isso, oito passos:
  1. reavaliar
  2. reconceitualizar
  3. reestruturar
  4. realocar
  5. redistribuir
  6. reduzir
  7. reutilizar
  8. reciclar
Assim, será possível sair do paradigma que nos dominou há dois séculos, o “paradigma da economia”. “Tendemos a ver tudo sob o prisma da economia, que, no entanto, é muito recente e limitado a uma única cultura, uma dentre outras: o Ocidente”. Por isso, para ele, outra contradição em termos é a economia solidária. Em nível teórico, explicou, “é um oximoro, assim como o desenvolvimento sustentável. A economia existente não é solidária, é baseada na avidez, no lucro máximo. Caso contrário, estamos no social, no político, na solidariedade, baseada na lógica da troca, da doação”.
Portanto, sair dessa economicização, para Latouche, é uma conversão ao contrário. “Temos uma relação religiosa com a economia. É preciso nos tornarmos ateus e agnósticos do crescimento. É preciso reencontrar a abundância perdida”. Descolonizar e deseconomizar o imaginário é “redimensionar o papel do econômico no social”, limitar a avidez, limitar o “greed is good” das escolas de administração. É, em suma, reapropriar-se, enquanto sociedade, das três bases do capitalismo: o trabalho, a terra e o dinheiro. “Não é abolir o capitalismo – esclarece Latouche –, é mudar o nosso software, a nossa educação, é possibilitar regulações, hibridações e proposições concretas para chegar à abundância frugal”.
Para ajudar nessa “reformatação”, não basta seguir a “via” do decrescimento. Latouche prefere falar do “tao do decrescimento”, palavra chinesa que, além da dimensão de caminho, percurso, remete também à ética. “Não é possível encontrar a felicidade sem restringir e limitar os nossos desejos – a autolimitação que se encontra nos ameríndios, na África, no passado do Ocidente, no epicurismo. Todas as sabedorias do mundo têm essa ideia fundamental”, explica. É necessário, hoje, dominar o que os gregos consideravam como o perigo por excelência: a hybris, a desmedida.
Aceleração do decrescimento?
Em pleno andamento de um “plano de aceleração do crescimento”, Latouche tem esperança no Brasil. Para ele, o país foi um “precursor do decrescimento”, a partir das propostas nascidas em Porto Alegre, de um outro mundo possível, ou em figuras como Chico Mendes, ou no Manifesto Ecossocialista de Belém, que, segundo Latouche, está bastante próximo das ideias do decrescimento. “O Brasil tem todas as condições favoráveis para uma transição para uma sociedade da abundância frugal”. Para isso, basta superar as condições psicológicas limitadas à colonização do imaginário em torno da economia e do crescimento.
No fim do debate, para os interessados em aprofundar a reflexão, Latouche indicou o site da revista acadêmica Entropia (www.entropia-la-revue.org), dedicada ao estudo do decrescimento, que contém contribuições em francês, inglês, espanhol, italiano e também em português.
A programação do com a presença de Serge Latouche continua nesta terça-feira com a palestra Por outro modo de consumir: Descrição de algumas experiências alternativas, das 16h às 18h, na Sala Ignacio Ellacuría e Companheiros, no IHU. O restante da programação, que vai até a próxima sexta-feira, dia 25, pode ser conferido aqui.
(Por Moisés Sbardelotto)
(Ecodebate, 24/11/2011) publicado pela IHU On-line, parceiro estratégico do EcoDebate na socialização da informação.
[IHU On-line é publicada pelo Instituto Humanitas Unisinos - IHU, da Universidade do Vale do Rio dos Sinos – Unisinos, em São Leopoldo, RS.]
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Nota do EcoDebate: sobre o mesmo tema sugerimos que leiam, também:
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terça-feira, 29 de novembro de 2011

Descrescimento sustentável. Já ouviu falar?

CRESCER É MESMO NECESSÁRIO?

O decrescimento sustentável é a ousada tese do francês Serge Latouche para diminuirmos a devastação dos recursos naturais do planeta. As idéias do economista e filósofo francês Serge Latouche se chocam com o estilo de vida dos habitantes das grandes cidades do mundo. Professor emérito da Faculdade de Economia da Universidade Paris XI e do Instituto de Estudos do Desenvolvimento Econômico e Social (Iedes), Latouche – nascido em Vannes, em 1940 – critica vorazmente o crescimento econômico promovido pelos estados. Defende com ardor uma suposta “descolonização” do nosso imaginário e uma mudança de comportamento mais ativa para salvar o planeta do esgotamento de recursos naturais. O ritmo anda acelerado e estamos consumindo demais, acredita o pensador, que construiu nas últimas décadas toda uma crítica contra a ocidentalização do mundo. Latouche é um dos principais portavozes do movimento pelo decrescimento. Tem vários livros e artigos publicados sobre o tema, inclusive no Brasil. Mas, apesar da visão aparentemente trágica, assume-se como um otimista e acredita na vontade da juventude de viver num mundo melhor.

 


Como o senhor define o decrescimento sustentável? Criamos esse slogan em 2002 para ir de encontro ao que todos falavam na época sobre o crescimento sustentável. Era preciso marcar uma ruptura radical, porque o crescimento não é durável. Por isso, nós buscamos esta palavra provocadora: decrescimento. O crescimento pelo crescimento ninguém acha absurdo. Então o decrescimento força as pessoas a pensar: “O que isso quer dizer?” Quando falamos em decrescimento, falamos em sair de uma religião do crescimento ligada à economia e ao progresso.



É possível alterar essa lógica? O relatório do Clube de Roma de 1972 já dizia que uma sociedade de crescimento não era sustentável. Muitos sociólogos e filósofos mostraram que ela não era nem mesmo desejada. Como as ameaças se aproximam, torna-se mais visível. O projeto de uma sociedade de decrescimento não é uma alternativa, e sim a libertação de uma ditadura econômica para reinventar um futuro sustentável. Uma sociedade não pode sobreviver se não respeitar os limites dos recursos naturais. Eu proponho um ciclo virtuoso do decrescimento: reavaliar, reconceitualizar, reestruturar, redistribuir, relocalizar, reutilizar e reciclar. Os dois primeiros termos são importantes para colocar em questão os valores comuns em nosso imaginário. Reconceitualizar é mudar nossa maneira de pensar. É uma verdadeira revolução cultural.



Mas como iniciar a mudança? Precisamos renunciar a essa atitude predadora, ter uma mudança de atitude mental. Não somente um com portamento individual e sim o produto de um sistema. Muita gente já está convencida de que não é preciso destruir todas as espécies para ganhar mais. Entretanto, são forçados pela lógica do mercado, pela concorrência e pelo marketing. Vamos então mudar de programa para depois trocar de computador. Alterar a base de produção e torná-la mais adequada às necessidades do meio ambiente. Buscar a reutilização, a reciclagem



Nosso ritmo está muito acelerado? Absolutamente. É necessário dar um basta ao consumo excessivo. Não é somente uma ação individual – porque, se apenas reduzo meu consumo, isso não mudará muito. Temos que mudar o modo de produzir as coisas. Você pode comer um bife em que o gado é criado em pastos naturais ou um bife de uma fazenda que obedece à lógica de mercado. No último caso, você come petróleo. Ele incorpora 6 litros de petróleo. Como isso é possível? O gado é alimentado com a soja que é plantada na Amazônia. Os tratores destroem as florestas, fazem a plantação e despejam os pesticidas. Tudo isso é petróleo. Devemos colocar esse sistema em causa, e não o fato de comermos um bife.



Seremos realmente mais felizes se consumirmos menos? O consumo traz cada vez menos a felicidade. Vários indícios provam isso. Muitos estudos apontam para o aumento de suicídios e a utilização de antidepressivos. O estresse tornou-se um problema grave em nossa sociedade. Mas ao mesmo tempo somos viciados nesse estilo de vida. Necessitamos de uma terapia.



O mercado de produtos orgânicos indica uma mudança de comportamento? Aqui na França, as grandes cadeias de supermercados já têm uma linha própria de produtos orgânicos e provenientes do comércio responsável. Essa tomada de consciência é importante porque um dos aspectos destrutivos do meio ambiente é a agricultura produtivista. Tudo o que seja uma alternativa a isso é benéfico. A produção familiar e sem pesticidas é uma das condições para um futuro sustentável.



Mudar a matriz energética pode ser uma das vias de solução? Como dizia a ministra do Meio Am biente da República Checa: “Quando há uma inundação no banheiro, você pode secar com um pano de chão”. O que eu faço de imediato é fechar a torneira. Enquanto não decidirmos limitar o consumo de energia, todas as soluções de energia renovável não servirão para muita coisa. A primeira coisa a fazer é fechar a torneira.

 
A geração de agora é capaz de fazer essa transformação? Em teoria, ela deveria ser menos capaz. Ela já está mais pervertida. O grande problema está na educação. Quais crianças deixaremos no mundo? Como nós deixamos às nossas crianças um mundo estragado, nós deixamos também para o mundo uma geração pervertida. Apesar de tudo, ainda há uma luz de esperança. Vejo uma participação crescente de jovens no movimento pelo decrescimento sustentável em vários países da Europa. Eles se organizam, tomam iniciativas. Eles querem viver num mundo melhor, salvar a humanidade e o planeta.


E qual seria então a mensagem do decrescimento? A mensagem não é somente reduzir o excesso de consumo e os danos ecológicos, mas também reduzir a quantidade de trabalho. Não é trabalhar menos para ganhar mais. É trabalhar menos para que todos possam trabalhar e viver melhor. Assim, teremos mais tempo livre para gastar com coisas que realmente valem a pena. Escutar música, dançar, jogar, pensar ou mesmo não fazer nada. Mas, ao contrário, nós nos tornamos viciados no trabalho. Os americanos inventaram a palavra workaholic. Nós quase precisamos de um curso de desintoxicação para reaprender a viver. E, nesse ponto de vista, o decrescimento é uma arte de viver.


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