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segunda-feira, 16 de maio de 2016

Implantado a partir do RS, projeto Quintais Orgânicos é selecionado para programa da ONU

Fonte: jornal sul 21

Projeto que já ultrapassou as fronteiras do país beneficia populações vulneráveis, como indígenas||Foto: Projeto Quintais Orgânicos
Projeto que já ultrapassou as fronteiras do país e beneficia populações vulneráveis, como a indígena. São mais de 60 mil beneficiados||Foto: Projeto Quintais Orgânicos
Jaqueline Silveira
Criado em 2003 para atender o programa Fome Zero, do governo federal, o projeto Quintais Orgânicos de Frutas, implantado pela Embrapa de Pelotas, zona sul do Estado, cresceu ao longo dos anos e, agora, semeará sua experiência internacionalmente. Isso porque a iniciativa foi selecionada para integrar a Plataforma de Boas Práticas para o Desenvolvimento Sustentável, que faz parte do programa de cooperação com a Organização das Nações Unidas (ONU) para a Alimentação e a Agricultura (FAO).
Financiado pelo antigo Ministério da Segurança Alimentar e Combate à Fome, o projeto da Embrapa Clima Temperado iniciou com 11 quintais em diferentes regiões do Rio Grande do Sul e expandiu, a partir de 2004, com recursos bancados pela Eletrobras, por meio da Companhia de Geração Térmica de Energia Elétrica (CGTEE), dentro do programa de Responsabilidade Social da estatal. Atualmente, há 2.018 quintais espalhados em 194 municípios nos três estados da região Sul, Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná, além de duas cidades do Uruguai, Rivera e Artigas, municípios que fazem fronteira com o Brasil.
Iniciativa tem 38 espécies alimentares á população, 18 de frutas|Foto: Projeto Quintais Orgânicos
Quintais produzem 38 espécies alimentares à população, 18 delas é de frutas|Foto: Projeto Quintais Orgânicos
Em 2013, o projeto recebeu o Prêmio de Inovação na categoria Tecnologia Social-Região Sul e Nacional, o que também rendeu um aporte de recursos da Finep (Financiadora de Estudos e Projetos). Os quintais produzem 38 espécies alimentares. Desse número, 18 são frutas, entre elas, a cerejeira do Rio Grande, que está em extinção no Estado. Há também 13 espécies de hortaliças, como alface, cenoura, pimenta, tomate e grão de bico, e foi incluído, ainda, o cultivo de milho, feijão e batata-doce. A partir de 2015, foi incluída uma espécie para alimentação animal, com a distribuição de mudas de forrageira, no caso o capim elefante anão (BRS Kurumi).
Baseado nos princípios da produção orgânica, o projeto beneficia agricultores familiares, população indígena e quilombola, assentados da reforma agrária, alunos de escolas rurais e urbanas, além de instituições de assistência social. São mais de 60 mil beneficiados diretamente. O projeto dos Quintais Orgânicos, informa o coordenador da iniciativa, Fernando Costa Gomes, já recebeu cinco premiações nacionais e a indicação para integrar a Plataforma Boas Práticas é mais um reconhecimento do trabalho da equipe, que é constituída, entre outros, de oito pesquisadores e 21 bolsistas de diferentes áreas.
Indicação traz visibilidade
“A seleção não traz recurso, só visibilidade, mas é extremamente importante. A inserção do projeto nesta plataforma permite socializar e divulgar suas atividades para mais populações que se encontram em vulnerabilidade social”, afirma Gomes, que é engenheiro agrônomo, acreditando que a experiência desenvolvida na Região Sul será socializada em nível mundial. A iniciativa da Embrapa foi selecionada sob a temática de Segurança Alimentar e Nutricional. “Abrimos espaço para novas oportunidades”, completa o chefe-geral da Embrapa Clima Temperado, Clenio Pillon.
Além do cultivo, beneficiados aprendem a fazer sucos, geleias |Foto: Projeto Quintais Orgânicos
Além do cultivo, beneficiados aprendem a fazer sucos, geleias |Foto: Projeto Quintais Orgânicos
Os quintais possuem mil metros quadrados e os alimentos cultivados, conforme Gomes, são voltados ao consumo das comunidades, contudo, podem ser comercializados, já que normalmente há sobra de produção. “Não é o foco ganhar dinheiro”, esclarece o coordenador da iniciativa. A ideia, conforme o engenheiro agrônomo, é estimular a produção de orgânicos e oportunizar uma referência às comunidades. Isso porque as orientações não se limitam ao cultivo das frutas e hortaliças, os beneficiados também aprendem a fazer iogurtes, geleias e sucos, por exemplo. O interessado em ter o quintal precisar preencher um formulário e pode escolher a espécie que deseja cultivar. Um assentamento em Vacaria, Região Serrana, exemplificou Gomes, optou pela plantação de amoras. Ao aderir ao projeto, o beneficiado recebe as mundas e um kit de insumos.
A partir da criação dos quintais, as comunidades recebem assistência dos técnicos pelo período de três anos. Para atender os mais de 60,7 mil beneficiados, a Embrapa conta com parcerias da Emater, no Rio Grande do Sul, e de secretarias municipais. O convênio com a Eletrobras/CGTEE é renovado todos os anos e no momento, segundo Gomes, a Embrapa está em negociação para a continuidade do patrocínio da estatal. Sem o aporte de recursos, Gomes disse que inviabilizaria, ao mesmo tempo, a manutenção dos mais de 2 mil quintais e a criação de 200 por ano, que representam um custo de cerca de R$ 500 mil. O apoio financeiro da Finec foi prorrogado e auxiliará na manutenção do projeto até agosto de 2017.
Os quintais já foram implantados em municpúios, além de duas cidades uruguaias|Foto: Projeto Quintais Orgânicos
Os quintais já foram implantados em cidades do RS, Santa Catarina e Paraná, além de dois  municípios uruguaios|Foto: Projeto Quintais Orgânicos

Números do projeto
Quintais orgânicos
Rio Grande do Sul: 166 municípios
Santa Catarina: 18 municípios
Paraná: 8 municípios
Uruguai: 2 municípios
Total: 2.018 quintais

Beneficiados
38.434 alunos
8.349 instituições assistenciais
7.056 agricultores familiares
3.345 agricultores assentados
2.641 indígenas
876 quilombolas
Total: 60.701

terça-feira, 30 de setembro de 2014

Fome: o ingênuo otimismo da ONU

 
"O modelo da FAO é afinado constantemente com pesquisas dirigidas à base de amostragem, com o objetivo de identificar grupos particularmente vulneráveis. Esse modelo é criticado pelos pesquisadores Bernard Maire e Francis Delpeuch por calcular calorias em termos de macronutrientes (proteínas, glicídios e lipídeos), sem levar em conta as deficiências da população em termos de micronutrientes – a carência de vitaminas, minerais e oligoelementos", comenta Juliana Dias, editora, em artigo publicado pelo portal Malaguetta, 25-09-2014.
Eis o artigo.
A indiferença glacial a respeito da fome no mundo contrasta com os dados do sociólogo Jean Ziegler, que considera a destruição anual de dezenas de milhões de homens, mulheres e crianças pela falta de comida como o escândalo do nosso século. No seu estado atual, a agricultura mundial poderia alimentar, sem problemas, 12 bilhões de pessoas, quase duas vezes a população mundial. No entanto, a cada cinco segundos, morre uma criança de menos de dez anos, num planeta que transborda riquezas. Os neurônios do cérebro humano formam-se entre zero e cinco anos. Se nesse período não receber uma alimentação adequada, suficiente e regular, a criança ficará lesionada pelo resto da vida.
Aos 80 anos, Ziegler é o pensador suíço contemporâneo mais conhecido no mundo. Com mais de 20 livros publicados, combina sua produção intelectual com uma resistente intervenção social e política. Atuou como o primeiro relator Especial sobre o Direito Humano à Alimentação e membro do Comitê Consultivo do Conselho de Direitos Humanos, da Organização das Nações Unidas (ONU), entre 2000 e 2012. Seu último livro, Destruição em massa – geopolítica da fome (Ed. Cortez) é dedicado ao médico brasileiro Josué de Castro, um dos fundadores da agência daONU para Alimentação e Agricultura (FAO), reconhecido internacionalmente por seu pioneirismo em denunciar o flagelo da fome.
A reflexão de Ziegler sobre as causas da escassez de alimentos é pertinente para avaliar o recém-lançado Relatório de Insegurança Alimentar no Mundo (SOFI, sigla em inglês), divulgado pela FAO. De acordo com o documento, na última década a redução de famintos chegou a 100 milhões. O número de pessoas “cronicamente desnutridas” chega a 805 milhões no período de 2012 a 2014. Nos países em desenvolvimento, a desnutrição caiu de 23,4% para 13,5%. O Brasil foi o destaque do relatório, apontado como o país que, oficialmente, superou o problema da fome.
Dados do referido relatório indicam que existem 3,7 milhões de pessoas em situação de insegurança alimentar, o que corresponde a 1,7% da população brasileira. O programa Bolsa Família, que atende 14 milhões de famílias e oPrograma Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), destinado diariamente a 43 milhões de estudantes da Educação Básica, são apontados como fatores relevantes para essa superação, cumprindo o primeiro ponto dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM), previsto para 2016: eliminar a fome.
O otimismo do relatório, tanto em nível global, como na América Latina e Caribe, esbarra com as declarações deZiegler, embasadas na experiência de mais de uma década na linha de frente da defesa do Direito Humano à Alimentação. Ao destrinchar as causas da fome, ele aponta os “senhores dos trustes agroalimentares”, os dirigentes da Organização Mundial do Comércio (OMC), do Fundo Monetário Internacional (FMI), dos diplomatas ocidentais, dos especuladores de alimentos básicos; e dos que chama de “abutres do ouro verde” (produtores de agrocarburantes, ou combustíveis de base vegetal) como os que se empenham em naturalizar a fome.
Ziegler começa sua exposição explicando como os dados da FAO são coletados. O modelo matemático data de 1971 e é de extrema complexidade, a qual o autor se propõe a simplificar. O primeiro passo é fazer um recenseamento da produção de bens alimentares, exportação e importação, especificando o conteúdo calórico. A Índia, por exemplo, abriga a metade de todas as pessoas grave e permanentemente subalimentadas do mundo, mas exporta cerca de 17 milhões de toneladas de trigo[1].
Assim, a FAO obtém a quantidade de calorias disponível em cada país, de acordo com as variáveis: faixa etária, sexo, tipo de trabalho executado e situação socioprofissional. Na segunda etapa os estatísticos estabelecem a estrutura demográfica e sociológica da população. Ao correlacionar os dois agregados de indicadores, obtêm-se os déficits calóricos globais dos países e é fixada a quantidade teórica de pessoas permanentemente e gravemente subalimentadas. A crítica de Ziegler é que os dados não dizem nada a respeito da distribuição de calorias no interior de uma população determinada.

O modelo da FAO é afinado constantemente com pesquisas dirigidas à base de amostragem, com o objetivo de identificar grupos particularmente vulneráveis. Esse modelo é criticado pelos pesquisadores Bernard Maire e Francis Delpeuch por calcular calorias em termos de macronutrientes (proteínas, glicídios e lipídeos), sem levar em conta as deficiências da população em termos de micronutrientes – a carência de vitaminas, minerais e oligoelementos.
A confiabilidade dos dados também é posta a prova, pois se baseia inteiramente na qualidade das estatísticas fornecidas pelos Estados. Apesar das críticas, Ziegler reconhece a pertinência, e que o modelo dá conta, a longo prazo, das variações dos números dos subalimentados e das mortes pela fome no planeta, caso do relatório publicado no último dia 16 de setembro. Para o sociólogo e militante, os números subestimam o fenômeno, mas permitem conhecer o cenário árido dos famélicos em todo o mundo.
Os três grupos de pessoas mais vulneráveis são os pobres rurais, os pobres urbanos e as vítimas de catástrofes. A maioria dos que não têm o que comer pertence às comunidades rurais pobres dos países em desenvolvimento. Quem produz alimento está exposto à fome. É uma contradição a ser enfrentada. A escassez está nos campos onde se deveria tirar o sustento. Ziegler ataca a prática de que a segurança e a soberania alimentar sejam lideradas pelo jogo do livre mercado. A ideia que paira é que somente o mercado pode vencer o flagelo da fome.
Basta potencializar ao máximo a produtividade agrícola mundial, liberar e privatizar para se ter acesso a uma alimentação adequada, suficiente e regular para todos. “O mercado, enfim, liberado derramará, como uma chuva de ouro, seus favores sobre a humanidade” (p. 158). Para uma questão complexa como a alimentação, propaga-se uma solução unilateral e reduzida a uns poucos atores sociais.
A questão agrária é posta pelo ex-relator como um desafio para combater a fome. As terras são disputadas para o plantio de comodities da produção agrícola ou os agrocarburantes, também divulgados como biocombustíveis, dos quais, esclarece Ziegler, existem dois tipos: o bioetanol e o biodiesel. O prefixo bio (vida, vivo), indica que o carburante (etanol ou diesel) é produzido a partir de matéria orgânica (biomassa). Não há relação direta com uma agricultura biológica, como sugere o termo biocombustível. A confusão favorece a imagem desse carburante que se imagina limpo e ecológico. Também chamado de Ouro Verde, essa matriz de produção energética é considerada pelo sociólogo como a nova recolonização do território, devastando os recursos naturais e aprofundando mazelas sociais, culturais e econômicas.
No Brasil, o protagonista é a cana-de-açúcar. Matéria-prima de base do período colonial com a monocultura para a produção de açúcar, esse plantio retorna ocupando os campos de alimentos para a produção de agrocarburantes.Zielger critica duramente o programa brasileiro Proálcool: “além dos barões brasileiros do açúcar, o Proálcoolbeneficia as grandes sociedades transcontinentais estrangeiras (Louis DreyfusBungeNoble Group e Archer Daniels Midland)”.
Ao estabelecer a relação entre combustível e comida, ele relembra o dado com que inicia o seu livro: “queimar milhões de toneladas de alimentos em um planeta em que, a cada cinco minutos, morre de fome uma criança de menos de dez anos é evidentemente revoltante”. Para produzir 50 litros de bioetanol, é preciso destruir 358 quilos de milho. No México e na Zâmbia, o grão é a base da alimentação. Com essa quantidade daria para alimentar durante um ano uma criança nesses países. “Agrocarburantes: tanque cheio e barriga vazia”, sentencia Ziegler.
Na visão do geógrafo Carlos Walter Porto-Gonçalves [2], a classificação adequada desde o início da colonização até os dias de hoje é “sistema-mundo moderno colonial”. O modelo agrário/agrícola, que se apresenta como o que há de mais moderno, sobretudo por sua capacidade produtiva, atualiza o que há de mais antigo e colonial em termos de padrão de poder ao estabelecer uma forte aliança oligárquica entre as grandes corporações financeiras internacionais; as grandes indústrias-laboratórios de adubo, fertilizantes, herbicidas e sementes; as grandes cadeias de comercialização ligadas aos supermercados; os grandes latifundiários exportadores de grãos [3].
Para se ter uma ideia de como a fome não pode ser subestimada, muito menos naturalizada, Ziegler cita dados sobre o controle do mercado sobre a produção de alimentos no mundo: “apenas dez corporações – entre as quaisAventisMonsantoPioneer e Syngenta – controlam um terço do mercado global de sementes, estimado em 23 bilhões de dólares por ano; e 80% do mercado de pesticidas, em torno de 28 bilhões de dólares. Dez outras corporações, entre as quais a Cargill, controlam 57% das vendas dos 30 maiores varejistas do mundo e representam 37% das receitas das 100 maiores sociedades fabricantes de produtos alimentícios e de bebidas (p. 152). Sobre a atuação dessas multinacionais, João Pedro Stédile, um dos principais dirigentes do Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra (MST), afirma que “o objetivo não é produzir alimentos, mas mercadorias para ganhar dinheiro” (p. 153).
A forma como se produzem, distribuem e consomem alimentos – considerando a comida como uma mercadoria, regulada por um mercado voraz, e Estados enfraquecidos – é uma maneira de violar o direito à alimentação e de limitar a soberania alimentar das nações, destruindo os territórios, lugares de produção de alimentos, cultura, memória e saberes. Essa indiferença glacial, à qual se refere Zielger, é intolerável. Para vencer esse monstro, o autor se mostra esperançoso com o “formidável despertar das forças revolucionárias camponesas nas zonas rurais do hemisfério Sul. Sindicatos camponeses transnacionais [como a Via Campesina], associações de lavradores e criadores lutam contra os abutres do ‘ouro verde’ e contra os especuladores que tentam roubar suas terras. Essa é a força principal da luta contra a fome” (p. 28).

Ziegler cita um provérbio chinês que Che Guevara gostava de pronunciar para justificar sua esperança e incentivar a resistência: “Os muros mais sólidos desmoronam por suas fissuras”. Assim, ele convoca a provocar, o tanto quanto possível, fissuras na ordem atual deste mundo que “esmaga brutalmente os povos”. O inimigo, como o autor chama, está exposto nos relatórios da FAO. Há que questionar com essas estatísticas por que 805 milhões de pessoas morrem de fome no século XXI. A experiência do sociólogo e militante nos mostra que o gigante pode ser maior e os que deveriam eliminá-lo estão buscando estratégias para naturalizá-lo.
Ao comparar o relatório com o relato de Ziegler é relevante refletir as contradições e ambiguidades que o sistema alimentar produz. O que está evidente, talvez nas entrelinhas ou com a ajuda de autores como este em questão, é que se torna injustificável uma destruição pela falta de acesso à comida, de qualidade e em quantidade, respeitando a cultura, como estabelece o conceito de Segurança Alimentar e Nutricional no Brasil.
Como é possível o homem travar uma guerra ambiciosa e inescrupulosa em favor do consumo e do lucro, contra sua própria espécie? Como explicar esse desejo autodestrutivo? Por que o outro é tratado com inferioridade se, na verdade, é a imagem refletida de seu semelhante? É necessário derreter essa indiferença glacial e compreender que comida não é produto de prateleira, é um direito básico à vida humana. Pensemos nos dados da FAO como uma tarefa que demanda esforços coletivos para provocar fissuras no muro sólido da mercantilização da comida, antes bem comum e de interesse público.
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Notas
[1] _ Período entre junho de 2002 e novembro de 2003.
[2] _ 2006
[3] 2006, p. 243
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Referências Bibliográficas
Porto-Gonçalves, C.W. A globalização da natureza e a natureza da globalização. 2ª edição. Editora Civilização Brasileira. Rio de Janeiro, 2006.
Ziegler, J. Destruição em massa. Geopolítica da fome. Trad.: José Paulo Netto – 1ª edi. São Paulo: Editora Cortez, 2013.
____ The State of Food Insecurity in the World. Roma: Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura, 2014.

quinta-feira, 11 de julho de 2013

Quando se premia aos que geram fome


Esther Vivas



Vivemos em um mundo ao contrário, no qual se premia as multinacionais da agricultura transgênica enquanto acabam com a agricultura e a agrodiversidade. O Prêmio Mundial da Alimentação 2013, o que alguns chamam de Nobel da Agricultura, foi concedido este ano para os representantes da indústria transgênica: Robert Fraley, da Monsanto e Mary-Dell Chilton, da Syngenta. O terceiro premiado foi Marc Van Montagu, da Universidade de Gante (Bélgica). Todos eles distinguidos por suas investigações a favor de uma agricultura biotecnológica.

E me pergunto: Como pode ser que se conceda um prêmio que, teoricamente, reconhece “as pessoas que têm feito avançar (…) a qualidade, a quantidade e o acesso aos alimentos” aos que promovem um modelo agrícola que gera fome, pobreza e desigualdade. Os mesmos argumentos, imagino, que levam a conceder o Prêmio Nobel da Paz aos que fomentam a guerra. Como diz o escrito Eduardo Galeano, em seu livro “Patas arriba” (1998), “se premia ao contrário: se despreza a honestidade, se castiga o trabalho, se recompensa a falta de escrúpulos e se alimenta o canibalismo”.
Querem que acreditemos que as políticas que nos conduziram à presente situação de crise alimentar serão as soluções; porém, isso é mentira. A realidade, teimosa, nos demonstra, apesar dos discursos oficiais, que o atual modelo de agricultura e alimentação é incapaz de dar de comer às pessoas, cuidar de nossas terras e daqueles que trabalham no campo. Hoje, apesar de que, segundo dados do Instituto Grain, a produção de alimentos multiplicou-se por três desde os anos 60, enquanto que a população mundial desde então apenas duplicou, 870 milhões de pessoas no mundo passam fome. Fome, pois, em um planeta da abundância de comida.

A Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) reconhece que nos últimos cem anos desapareceram 75% das variedades agrícolas. Nossa segurança alimentar não está garantida, se depender de um leque cada vez mais reduzido de espécies animais e vegetais. Definitivamente, são promovidas as variedades que mais se adequam aos padrões da agroindústria (que podem viajar milhares de quilômetros antes de chegar ao nosso prato, que tenham um bom aspecto nas prateleiras do supermercado etc.), deixando de lado outros critérios como a qualidade e a diversidade do que comemos.
Nos dizem que temos que produzir mais alimentos para acabar com a fome no mundo e, em consequência, que é necessária uma agricultura transgênica. Porém, hoje, não falta comida; sobra! Não temos um problema de produção, mas de acesso. E a agricultura transgênica não democratiza o sistema alimentar; ao contrário, privatiza as sementes, promove a dependência camponesa, contamina a agricultura convencional e ecológica e impõe seus interesses particulares ao princípio de precaução que deveria prevalecer.

Marie Monique Robin, autora do livro e do documentário “O mundo segundo a Monsanto” (2008), deixa claro: essas empresas querem “controlar a cadeia alimentar” e “os transgênicos são um meio para conseguir esse objetivo”. Prêmios como os concedidos a Monsanto e a Syngenta são uma farsa ante a qual somente há uma resposta possível: a denúncia. E ressaltar que outra agricultura somente será possível à margem dos interesses dessas multinacionais.


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