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Desde que começou a produzir nos canteiros colocados ao lado do barreiro, a família de Minelvina conquistou o direito de consumir alimentos sempre frescos, cultivados sem o uso de agrotóxicos e adubos químicos. Cuidar das hortas todo dia à tarde passou a ser um momento lúdico com toda a família. Suas netas, a sobrinha e o esposo se envolvem na lida com os canteiros. “Pro meu marido mesmo, é uma terapia, pois ele não gosta de sair de casa. Deu quatro da tarde, pode procurar: tá ele aqui junto com a gente cuidando dos canteiros. Quando falo de viajar, ele diz que não vai, porque não ficaria ninguém pra cuidar das hortas”. A cinco quilômetros de distância da propriedade de Minelvina, mora seu Clemente, que também conquistou um barreiro-trincheira. Ele, que já cultivava feijão, fava e milho, passou a plantar também cebolinha, alho, couve, alface e girassol nos canteiros montados ao lado do barreiro. Ele também cria suas cabeças de gado e se orgulha da disposição que tem, mesmo aos 88 anos: “Eu cuido de três tarefas de roça aqui e mais outras ali embaixo, tem as hortas e o gado. Eu monto a cavalo, me ralo todo nos espinhos pra cuidar deles, e tudo isso com essa idade toda que eu tenho”. O barreiro-trincheira garante a água que faltava a seu Clemente, para cultivar fora dos períodos de chuva. “A máquina chegou pra abrir isso aqui. Mas rapaz, tinha muita pedra! Deu um trabalho arretado, mas no fim, (o barreiro) deu mais de 30 metros, e mais de três de fundura. Uma chuva só que deu encheu ele quase todo!”, relembra feliz, seu Clemente, da chuva ocorrida em janeiro, a única mais intensa ocorrida no inverno deste ano. A construção do barreiro está garantindo independência na labuta com seu pedaço de terra. “Isso aqui foi o maior benefício que eu já recebi na vida!”, afirma. A Articulação Semiárido Brasileiro (ASA) dissemina pelo Semiárido várias tecnologias sociais que captam e estocam a água da chuva, através do Programa Uma Terra e Duas Águas (P1+2). O barreiro-trincheira é uma dessas tecnologias. Um tanque longo, estreito e fundo escavado no solo. De implementação simples, ele parte do saber tradicional acumulado pelas famílias do Semiárido. Construído em área plana, armazena no mínimo 500 mil litros de água. Como é estreito, ele sofre menos com a ação do sol e do vento, diminuindo a evaporação. Em Bom Jesus da Serra, 16 famílias conquistaram essa tecnologia social em 2012, por intermédio do Centro de Convivência e Desenvolvimento Agroecológico do Sudoeste da Bahia (Cedasb), que implementa na região o P1+2 com financiamento do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate Fome (MDS). No total, foram 91 famílias atendidas com todas as tecnologias, que envolvem, além do barreiro: as cisternas-calçadão, cisternas-enxurrada, barraginhas, tanques de pedra e bombas d’água populares (BAP). Em 2013, mais 39 famílias conquistando meios de garantir água para o período seco. Mudança de mentalidade – Apesar das inúmeras experiências inspiradoras de convivência com a estiagem, a ideia geral que se tem acerca do semiárido brasileiro ainda está ligada as privações decorrentes da seca. Minelvina conta um exemplo ocorrido dentro da própria família. Seus filhos foram morar em SP, e eles duvidavam que fosse possível cultivar verduras e hortaliças na terra da mãe. Acreditavam que a falta de água inviabilizava qualquer possibilidade de se produzir qualquer coisa que pedisse água diariamente. Mas Minelvina provou o contrário. Com água armazenada no barreiro, comer com qualidade e diversidade se tornou algo comum na rotina da casa. Ela não ficou contente em apenas mostrar aos filhos as fotos, indo pessoalmente levar os frutos da sua terra. “Eu já ia visita-los em SP, e aproveitei pra mostrar a eles como estava a minha horta. Eu tirei bastante coisa pra levar. Couve, cebola, maxixe, quiabo, cenoura, fiz o tempero com o coentro... eles ficaram impressionados com o tamanho da cabeça da beterraba, foi uma festa!”. Aproveitando a carona de carreta dada por um conhecido, Minelvina viajou um dia inteiro com seu sortimento de verduras e hortaliças, que chegaram perfeitas, como ela mesma conta: “Eu levei as coisas assim não muito fechado, pra não abafar, e chegou tudo bonito lá, nada murcho. Mesmo a alface, que é mais fraca, chegou boa pra consumo. A família toda se reuniu só pra comer a feira que eu levei”. Desenvolvimento comunitário - Para a vice-presidente da associação comunitária, Gessi Soares, a comunidade onde mora experimentou um salto na produção de alimentos após a chegada das tecnologias sociais do P1+2. “Quase todas as famílias que receberam o projeto têm seus canteiros, suas hortaliças. Algumas têm mais, outras têm menos, mas todo mundo tem ao menos, a alface, a couve, o tomate em casa”, afirma. Para Everaldo Mendonça, presidente do Cedasb e agricultor da comunidade Pedra Branca, as tecnologias do P1+2 já fazem muita diferença para as famílias que as receberam. Ele afirma que é nítida a melhoria na qualidade da alimentação delas, e percebe a motivação para trabalhar em suas propriedades. O incremento na renda de algumas famílias é outro fator positivo, principalmente se levando em conta a escassez de chuvas nos últimos anos. “É de chamar atenção a diversidade no cultivo dessas famílias, que estão levando suas tradições adiante, de agricultores e agricultoras familiares. Ver as pessoas recuperando sua autoestima de gente do campo, garantindo a segurança alimentar e muitas outras famílias interessadas em conquistar suas cisternas de produção, seus barreiros, só demonstra que esse é um caminho bom para se seguir.” |
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quarta-feira, 5 de fevereiro de 2014
No Semiárido baiano, famílias agricultoras fazem brotar vida no solo com água de tecnologias da ASA
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