FONTE: USP
Elevação
da temperatura média pode fazer com que as forrageiras fiquem mais
fibrosas e menos proteicas, quando o gado precisará de mais alimento e
produzirá mais metano
Editorias: Ciências Agrárias, Ciências Ambientais - URL Curta:
jornal.usp.br/?p=233514
O aumento das temperaturas médias esperado para as próximas décadas,
de no mínimo 2º C, pode ter um impacto inesperado no bolso dos
pecuaristas. Novos estudos sugerem que um dos efeitos da mudança no
clima será a redução na qualidade da pastagem, que se tornará menos
proteica, mais fibrosa e, portanto, de digestão mais demorada.
Como consequência, disseram os pesquisadores, o gado precisará
consumir mais alimento para alcançar o peso de abate e passará a
produzir mais metano, um potente gás causador do efeito estufa.
As conclusões têm como base experimentos feitos pela equipe de Carlos
Alberto Martinez y Huaman, professor do Departamento de Biologia da
Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto (FFCLRP) da
USP. Participaram do estudo pesquisadores do Instituto de Botânica de
São Paulo, da Universidade de Illinois, nos Estados Unidos, da
Universidade Estadual Paulista (Unesp) em Jaboticabal e do Instituto
Federal Goiano, campus Rio Verde.
“Buscamos entender como as pastagens forrageiras responderão
fisiológica e produtivamente às condições futuras do clima, que envolvem
aumento na temperatura média e na concentração de dióxido de carbono
(CO2), além de redução da disponibilidade de água”, disse Martinez à
Agência Fapesp.
As principais espécies vegetais cultivadas são classificadas em C3 e
C4, nomenclatura relacionada à via usada pela planta para fixar carbono
na fotossíntese. Soja e feijão, por exemplo, usam a via C3. Gramíneas
tropicais, como cana-de-açúcar, milho e forrageiras, desenvolveram um
sistema complementar à C3 chamado de via C4.
Na tentativa de determinar com precisão as mudanças fisiológicas que
as forrageiras deverão sofrer no futuro, Martinez evitou realizar
experimentos em estufas – locais considerados limitados para fazer as
simulações necessárias.
Como explicou o pesquisador, as plantas em estufas são cultivadas em
vasos e, desse modo, têm o crescimento das raízes limitado.
Consequentemente, crescem menos do que em campo aberto. Outras variáveis
impossíveis de serem reproduzidas na estufa são a intensidade e a
variação da luminosidade e da temperatura, causadas pela ação do vento
sobre as folhas, além da profundidade do solo, no qual as raízes podem
penetrar à procura de água.
“Para alguns experimentos, o modelo de vasos é válido, mas para
simulações de clima futuro também são necessários experimentos de campo.
Conseguimos aquecer as plantas ao ar livre com aquecedores
infravermelhos. Além disso, enriquecemos o ar com CO2 em ambiente
aberto, graças a uma infraestrutura denominada Trop-T-FACE, instalada em
campo com apoio do Programa Fapesp de Pesquisa sobre Mudanças
Climáticas Globais”, disse Martinez.
Os experimentos foram realizados em campo aberto, onde as plantas
estão submetidas a condições normais de temperatura, luminosidade, vento
e umidade e o solo é profundo, podendo as raízes se estender em busca
de água.
A espécie empregada foi o capim-mombaça (Panicum maximum),
uma forrageira tropical de origem africana que realiza fotossíntese pela
via C4. Amplamente usado no Brasil como pasto, por sua alta qualidade
nutricional, o capim-mombaça é comum em São Paulo e em outros Estados.
“Colocamos aquecedores infravermelhos em 16 canteiros, aquecendo as
plantas 2º C acima da temperatura ambiente. Os equipamentos são capazes
de detectar a temperatura ambiente a cada 15 segundos, ajustando os
valores de acordo com a necessidade”, disse Eduardo Habermann, bolsista
da Fapesp e primeiro autor dos trabalhos publicados nas revistas Physiologia Plantarum e Plos One.
“O experimento foi realizado em novembro de 2016, período de grande
calor. A temperatura ambiente estava em 38º C e, nos canteiros, chegou a
40º C”, disse Habermann.
Ao longo do experimento, os pesquisadores aferiram as condições de
trocas gasosas das plantas com a atmosfera, as condições da
fotossíntese, a fluorescência da clorofila, a produção de folhagem
(biomassa) e a qualidade nutricional do pasto.
“Vimos que, em condições de seca, as plantas tentam economizar a água
do solo. O controle é feito pelos estômatos, pequenas estruturas
presentes nas folhas, que se abrem para absorver o CO2. Mas, ao fazê-lo,
perdem água. Com pouca água no solo, a raiz se ressente. A planta fecha
os estômatos e transpira menos. O efeito da economia de água é a
redução da fotossíntese, com a consequente piora na qualidade da
planta”, disse Habermann.
Além do apoio da Fapesp, o trabalho também contou com financiamento
do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e
da Agência Nacional de Águas (ANA).
Folhas mais fibrosas
Outras respostas do capim-mombaça ao estresse hídrico, detectadas
pelo estudo, foram o aumento na quantidade de fibras das folhas e a
redução no teor de proteína bruta – fatores que representam perda de
qualidade nutricional.
Os pesquisadores estimam que, nas condições futuras de temperatura, o
aumento na quantidade de fibras resultará em uma digestão mais difícil e
demorada para o gado. A consequência direta será a produção de maior
quantidade de metano pelos animais.
“O gado precisará consumir mais pasto até atingir o peso de abate.
Para manter o mesmo nível de produção, os pecuaristas precisarão
complementar a alimentação do plantel e regar as pastagens, com impacto
significativo nos custos de produção”, disse Martinez.
Outra alternativa, nem sempre possível, é a expansão das áreas de
pastagem, o que pode favorecer o desmatamento ou fazer com que o
produtor abra mão de outros cultivos.
A equipe também realizou experimentos com plantas C3, como a leguminosa estilosantes campo grande (uma mistura das espécies Stylosanthes capitata e Stylosanthes macrocephala),
forrageira rica em proteína e que executa a função de capturar o
nitrogênio da atmosfera e fixá-lo biologicamente no solo, reduzindo os
investimentos em insumos agrícolas, contribuindo para a redução dos
impactos ambientais e possibilitando maior ganho de peso aos animais.
“Os experimentos de mudanças climáticas realizados com a leguminosa
C3 deram o mesmo resultado. A qualidade nutricional é reduzida”, disse
Martinez.
O artigo Increasing atmospheric CO2 and canopy temperature
induces anatomical and physiological changes in leaves of the C4 forage
species Panicum maximum
(https://doi.org/10.1371/journal.pone.0212506), de Eduardo Habermann,
Juca Abramo Barrera San Martin, Daniele Ribeiro Contin, Vitor Potenza
Bossan, Anelize Barboza, Marcia Regina Braga, Milton Groppo e Carlos
Alberto Martinez, está publicado em: https://journals.plos.org/plosone/article?id=10.1371/journal.pone.0212506.
O artigo Warming and water deficit impact leaf photosynthesis and decrease forage quality and digestibility of a C4 tropical grass
(https://doi.org/10.1111/ppl.12891), de Eduardo Habermann, Eduardo
Augusto Dias de Oliveira, Daniele Ribeiro Contin, Gustavo Delvecchio,
Dilier Olivera Viciedo, Marcela Aparecida de Moraes, Renato de Mello
Prado, Kátia Aparecida de Pinho Costa, Marcia Regina Braga e Carlos
Alberto Martinez, está publicado em: https://onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1111/ppl.12891.Peter Moon / Agência Fapesp
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