por Carolina Goetten, do Brasil de Fato
Segundo
o Instituto Internacional de Investigação sobre Políticas Alimentares,
em pesquisa realizada em 2010, mais de um bilhão de pessoas passam fome
em todo o mundo. A informação escancara a crise alimentar do
agronegócio: sobram alimentos, mas a lógica do capital impede o acesso a
itens básicos de alimentação. Como alternativa ao cenário, surge o
debate teórico e a aplicação prática da soberania alimentar, por meio da
agroecologia.
O agronegócio é um modelo excludente, que prioriza o
latifúndio, a monocultura, a produção em larga escala, usa agrotóxicos,
destrói o meio ambiente e gera violência e pobreza no campo. Segundo o
professor do Departamento de Economia da Universidade Federal do Paraná,
Victor Pelaez, difundiu-se o discurso de que o agronegócio é mais
rentável economicamente para o país, mas a agroecologia pode ser uma
alternativa à lógica do capital, inclusive com benefícios financeiros.
“Mas nenhuma transformação ocorre da noite para o dia. É um processo
longo de investimento e demanda políticas públicas”, avalia.
O
professor explica que os movimentos sociais não são atendidos na
perspectiva do agronegócio. Por isso, segundo ele, a luta contra o
agronegócio deve ser bandeira prioritária dos movimentos sociais. A
lógica do capital é de acumulação e concentração; o agronegócio emprega
tecnologia de alto custo, inacessível aos pequenos produtores. “É
preciso buscar e construir modelos como a agroecologia, que sejam
compatíveis com a produção em menor escala e com a agricultura
familiar”, enfatiza.
Aplicação prática
Experiências
práticas da agroecologia são uma forma de ir além do discurso teórico,
com ações reais para aumentar a produção de orgânicos e resistir contra o
agronegócio. No pré-assentamento Emiliano Zapata, localizado no
município de Ponta Grossa, toda a produção é orgânica. “Desde o começo
da ocupação, já concordamos que a área seria 100% agroecológica”, conta o
morador Célio Rodrigues. “Somos 48 famílias e ninguém utiliza adubo
químico ou agrotóxicos”, afirma.
O Emiliano Zapata também tem uma
horta coletiva de 1,5 hectares, cuja produção é destinada à subsistência
e o excedente é vendido numa feira de orgânicos da Universidade
Estadual de Ponta Grossa, a cada 15 dias. “Como ainda não somos
assentamento reconhecido pelo Incra e estamos em processo de conquista
da terra, não temos acesso a programas de incentivo. A produção orgânica
nos ajudou a sobreviver aqui”, lembra Célio. Ele cita a importância da
agroecologia nos mais diversos aspectos. “Só na questão técnica, já
temos certeza de que estamos preservando o solo e que ele vai se manter
saudável por mais tempo. Economicamente, a produção tem baixo custo,
porque veneno é caro, controlado por cinco transnacionais no país. E sem
considerar que estamos combatendo a ideologia capitalista”, explica
Célio.
O que mantém parte da renda das famílias do Emiliano Zapata
é um programa em parceria com a Companhia Nacional de Abastecimento
(Conab), dentro do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA). Tudo o que
se produz é repassado para um banco de alimentos, que distribui a
produção a creches e instituições de caridade no município de Ponta
Grossa. O projeto paga R$ 4,5 mil por ano a cada família, valor dividido
em parcelas mensais. Estes programas garantem a comercialização dos
produtos da agricultura familiar e são um incentivo à manutenção da
produção agroecológica e diversificada. “Facilita a diversificação da
produção e já não conflui apenas para a cultura de mercado. Produtos que
não tinham uma garantia de preços passaram a ter um espaço de
comercialização garantido. Isso ajudou a diversificar as propriedades
nos locais. O agricultor tem uma horta e também se alimenta dela, dentro
da segurança alimentar”, afirma Jean Carlo Pereira, do setor de
produção do MST-PR.
Hortas mandala
Outro
exemplo de aplicação da agroecologia no Paraná é o assentamento
Contestado, na cidade da Lapa, onde também são cultivados apenas
alimentos orgânicos. Como o solo é raso, as famílias têm dificuldade
para produzir arroz; o clima instável também é fator negativo na
lavoura, principalmente nos lotes das famílias vindas de outras regiões,
desacostumadas às variações climáticas de Curitiba e região. Uma
alternativa para superar estas dificuldades foi o sistema de
administração coletiva de hortas mandala.
A palavra mandala vem do
sânscrito e significa “círculo mágico”. Nesse modelo, os canteiros são
construídos em círculos em vez da linha reta tradicional (como os traços
arredondados da própria natureza, em que não existe nada impecavelmente
reto).
A horta aproveita melhor o espaço da terra em relação aos
canteiros retangulares, trabalha com diversidade e alternância de
plantas, poupa o solo e economiza água. “Cada horta é cultivada por
grupos de duas a três famílias, para estimular a cooperação e aproximar
os moradores”, explica um dos dirigentes do assentamento, Antônio
Capitani.
Em três meses de trabalho, as famílias do Contestado
produziram cerca de 500 pés de hortaliças, além das frutas, ervas e
cereais. O que contribui para a saúde do solo é a rotatividade das
plantas. Como cada espécie utiliza um nutriente específico, a
alternância permite que o solo permaneça rico e não esgote esse
nutriente. Além disso, a diversidade atrai insetos polinizadores de
espécies variadas, contribuindo com o equilíbrio ambiental.
A
geógrafa Rosa Mara Santos explica que a horta mandala adota por
princípio algo como “seja amigo da natureza”. “É uma ideia da
permacultura que diz que podemos habitar o planeta com harmonia,
utilizando a sua energia e todos os seus recursos de modo equilibrado.
No caso da horta, precisamos respeitar os ciclos, tempo de plantar,
tempo de colher e tempo de repouso, quando o solo se recupera para um
novo ciclo”, define. Como o espaço circular permite o uso de áreas
pequenas de terra, a horta mandala é ideal para a agricultura familiar,
pois produz para a subsistência e o excedente pode ser comercializado e
ajuda a complementar a renda da família.
No Contestado, são usados
apenas fertilizantes orgânicos, que respeitam a agricultura ecológica.
“A saúde vem muito da alimentação: se você precisa de ferro, coma
beterraba, não precisa ir à farmácia comprar sulfato ferroso”, diz Maria
Lima, moradora do assentamento. “A gente tem que se somar, lutar contra
tudo isso que tá gerando o câncer, as alergias, a depressão”, conclui.
Princípios para trabalhar com a horta mandala
1. Cultivar o máximo possível, utilizando o menor espaço;
2. Usar o mínimo de energia, para a máxima produção;
3. Promover o envolvimento de toda a comunidade;
4. Nada se perde, tudo se aproveita;
5. Trabalhar com a natureza e não contra ela.
Princípios enumerados segundo informações do projeto Mão na Terra, de São José dos Campos (SP).
* Publicado originalmente no site Brasil de Fato.
(Brasil de Fato)
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