terça-feira, 7 de junho de 2011

Entrevista/José Lutzenberger

"A natureza é algo divino, e nós humanos somos apenas parte dela."



José Lutzemberger.


Pioneiro do movimento ecológico do Rio Grande do Sul, José Lutzenberger é símbolo de contestação. Das lutas contra os agrotóxicos, nos anos 70, ao combate aos transgênicos e à globalização, nesse início de século, é reconhecidamente um dos nomes mais importantes no país no trabalho de preservação do planeta e dos que vivem nele.

Às vésperas de completar 75 anos, Lutzenberger continua combativo, voltado para promoção do desenvolvimento rural sustentável, difusão da agricultura regenerativa e educação ambiental, dando assessoramento através da Fundação Gaia, que fundou em 1987 e preside. O ecologista e agrônomo com mais de 40 prêmios no currículo, tem sua marca na criação da lei de Agrotóxicos do Rio Grande do Sul, primeira do país, na criação da AGAPAN - Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural - e em projetos contra o desmatamento, extinção da fauna e poluição ambiental. Foi Secretário Especial de Meio Ambiente entre 1990 e 1992, durante o governo Collor, contribuindo para a demarcação dos territórios indígenas, entre outros projetos.

Nessa entrevista, Lutzenberger fala sobre as perspectivas da agricultura sustentável, dos agricultores familiares e dos transgênicos e a perda da autonomia do agricultor.
 
 
E a questão dos transgênicos, então?

Lutzenberger - O transgênico é mais uma manobra para tirar uma das últimas coisas que o agricultor ainda tem domínio próprio,que é a semente. Na Alemanha, hoje, se um agricultor trocar a semente com seu vizinho já é punido. Se nós deixarmos entrar os transgênicos, não demora, vamos poder plantar somente as sementes registradas. Hoje, já não se consegue crédito para milho que não seja híbrido.

Revista - O governo do Rio Grande do Sul quer que o Estado seja livre de transgênicos.

O senhor acha que é possível?

Lutzenberger - Claro que é possível. Temos como fazer isso. Não precisamos nem proibir os transgênicos. É só não aceitar as patentes e pronto. Aí eles não oferecem mais essa semente. Baseada nas patentes, a Monsanto já processou mais de quatro mil agricultores nos Estados Unidos. Isso significa que a lavoura deles é destruída, eles são obrigados a pagar multas de dezenas de milhares de dólares e acabam entregando a propriedade ao banco.

Essas grandes empresas querem o controle total dos insumos. Agricultura moderna é isso. E nem o agricultor, nem o consumidor têm como se defender. Temos que olhar o panorama completo, em vez de simplesmente bater palmas para a globalização, achar que isso é bom.

O agricultor e o consumidor não têm mais escolha. Esta se estruturando um governo mundial tecnoditatorial, que não precisa fazer repressão. Não precisa soldados. Não precisa proibir. Através de infra-estrutura tecnoburocrática legalizada, cada vez mais abrangente, criam-se contingências tecnológica inescapáveis.

Revista - Como está a formação dos profissionais das ciências agrárias?

Lutzenberger - Eles aprendem pacotes tecnológicos prontos. Em geral, eles não aprendem a pensar e não têm horizonte científico amplo. Aqui vai meu apelo aos jovens profissionais: ampliem seu horizonte intelectual em ciências naturais, tecnologia e filosofia.

Isso não significa trabalho árduo, ao contrário, as ciências naturais são a maior aventura do espírito humano. Não tem prazer maior que o prazer de desvendar os mistérios da natureza. A verdadeira revolução, a verdadeira contestação é ampliar o horizonte científico, técnico e filosófico. Só quem tem esse horizonte tem condições de se dar conta do que está acontecendo.

"O que realmente houve na agricultura dita moderna foi uma desapropriação do camponês. (...) Agora, o agricultor moderno é um tratorista, nada mais, um espalhador de veneno."

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