sexta-feira, 19 de março de 2010

Veículos ou pessoas?

Mudando um pouco de assunto.

Poluição, barulheira, acidentes, congestionamentos: parece ser esse o destino sinistro dos grandes centros urbanos. Desafio para gestores, a criação de sistemas de transporte sustentáveis foi destaque na Conferência Internacional de Cidades Inovadoras, que aconteceu em Curitiba na semana passada.

Por: Henrique Kugler

Publicado em 16/03/2010 | Atualizado em 16/03/2010

Veículos ou pessoas?

Engarrafamento nas ruas de Nova Délhi, na Índia. Desenvolver um sistema eficaz de transporte urbano é dos maiores desafios enfrentados por metrópoles de todo o mundo (foto: Flickr.com/lingaraj / CC BY 2.0).

O caos urbano é iminente. Segundo previsões otimistas, em 2030 teremos mais de dois bilhões de carros circulando em todo o mundo. Diante disso, nasce um dilema: devemos planejar nossas cidades para veículos ou para seres humanos? Essa foi uma das questões debatidas durante a Conferência Internacional de Cidades Inovadoras (CICI 2010), realizada em Curitiba entre 10 e 13 de março.

O presidente do Centro de Transporte Sustentável (CTS-Brasil), Luis Antonio Lindau, disse que o caminho para sairmos dessa enrascada passa por três etapas: desestimular o uso do automóvel, melhorar o transporte coletivo e incentivar o transporte não motorizado.

“O pedágio urbano é com certeza um excelente começo”, disse Lindau, doutor em transportes pela Universidade de Southampton, Inglaterra, e professor do Departamento de Engenharia de Produção e Transportes da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. “Essa é uma medida impopular, mas pode ser a solução mais eficiente para melhorar o trânsito nas grandes cidades”, defendeu. Ele lembrou que a medida é adotada em Londres desde 2003, com excelente resultado.

“O pedágio urbano é impopular, mas pode ser a solução mais eficiente para melhorar o trânsito nas grandes cidades”

Estocolmo também entrou na onda, e a mobilidade urbana da capital sueca melhorou muito. Lindau disse que, antes de introduzir a medida, o governo municipal de Estocolmo fez uma pesquisa e constatou que 75% dos cidadãos eram contra o pedágio. Mas outra pesquisa, feita logo após sua implantação, revelou um resultado surpreendente: 67% das pessoas aprovavam a nova política.

Lindau garante que o transporte coletivo em corredores exclusivos, chamado de BRT (sigla para Bus Rapid Transport), é outra medida vital para se alcançar eficiência na mobilidade urbana. Curitiba foi pioneira no uso desse sistema, e hoje mais de 80 cidades no mundo já o utilizam. “É a forma de transporte coletivo que nos oferece o melhor custo-benefício”, disse o engenheiro do CTS-Brasil. “O metrô, sem dúvida, é também uma boa alternativa, mas o custo de sua implantação nos faz pensar duas vezes antes de optar por ele.”

Rede Integrada de Transporte (Curitiba)
Ônibus da Rede Integrada de Transporte (RIT) de Curitiba. A capital paranaense foi a primeira cidade no mundo a implantar um sistema de BRT (Bus Rapid Transport). Foto: Wikimedia Commons.

Solução insuficiente

Embora a capital paranaense tenha sido pioneira no uso de BRTs, esse sistema, sozinho, não foi suficiente para melhorar o trânsito na cidade. Curitiba sofre hoje com uma frota de automóveis que cresce 4% ao ano, enquanto sua população aumenta cerca de 1,2% no mesmo período. Atualmente a cidade tem 2 milhões de habitantes, e por suas ruas circulam diariamente quase 1,2 milhão de carros. É a metrópole mais motorizada do Brasil.

“Essa é uma prova de que só engenharia não resolve o problema; é preciso também boa gestão pública“, disse Lindau. O espaço urbano é finito, e a construção de viadutos e perimetrais tem limite físico. Diante disso, afirmou o engenheiro, os municípios precisam repensar suas políticas de transporte urbano ou vão chegar a um ‘apagão’.

Outra iniciativa que desponta como boa solução para os problemas de transporte urbano é o uso de bicicletas. O governo municipal de Lyon, na França, apostou nessa saída e implantou um sistema de empréstimo do veículo por toda a cidade. A ideia, chamada de Vélo’V, foi do consultor Gilles Vesco, que veio a Curitiba para relatar e discutir o sucesso da medida. “Desde que o projeto foi implantado, o número de ciclistas de Lyon dobrou”, disse Vesco. “Hoje são mais de 50 mil.”

Congestionamento à vista

Outro conferencista que se mostrou preocupado com o futuro de nossos transportes foi o economista Adalberto Maluf, membro da Fundação Clinton (organização internacional dedicada a buscar soluções para vários problemas globais, entre eles a mobilidade urbana). Com um produto interno bruto que tende a crescer 5% ao ano, o Brasil pode vir a ser uma das maiores economias do globo. O que significa, na opinião de Maluf, que ter carro vai ser cada vez mais fácil para os brasileiros.

“Uma notícia como essa tem aspectos positivos, mas é inegável que, com um número cada vez maior de veículos, o caos no trânsito de nossas cidades é apenas uma questão de tempo”, antevê Maluf. Para ele, a construção de novas ruas e avenidas não resolve o problema. “Em vez de ampliar a infraestrutura para o transporte individual, nossos gestores têm que diminuí-la”, defendeu. “Isso mesmo”, reiterou o engenheiro, “reduzir o espaço viário para carros e dar mais espaço ao pedestre”.

“Em vez de ampliar a infraestrutura para o transporte individual, nossos gestores têm que diminuí-la”

Maluf lembrou que isso já é feito em Nova York e Genebra. Por lá, há tempos não se constroem novas ruas. Pelo contrário, as que antes eram exclusivas para veículos estão sendo reestruturadas para dar mais espaço ao pedestre. “Não só espaço para mobilidade, mas, sobretudo, espaço para convivência”, enfatizou.

Entretanto, segundo o economista, isso só resolve parte do problema, pois continuamos investindo em tecnologias do passado (como as empregadas na produção de petróleo) e insistimos em ideias ultrapassadas (como o transporte individual). Ele sustenta que é preciso dar chance a novas alternativas de transporte e investir com urgência em novas matrizes energéticas. “Se não fizermos isso já”, disse em tom de ironia, “até esse tipo de ‘produto’ vamos ter que importar da China”.

Henrique Kugler
Especial para a CH On-line / PR

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