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Fotos: Rodrigo de Castro / Arquivo Cedasb |
Dona Minelvina de Jesus vive na comunidade de Bom Jesus de Cima, no
município baiano de Bom Jesus da Serra. Ela possui um
barreiro-trincheira em sua propriedade, que guardou água proveniente das
poucas chuvas ocorridas na região durante os primeiros meses de 2013,
possibilitando, assim, que ela cultivasse hortaliças e verduras. Já são
nove meses de produção nos canteiros com a água armazenada do início do
ano.
Desde que começou a produzir nos canteiros colocados ao lado do
barreiro, a família de Minelvina conquistou o direito de consumir
alimentos sempre frescos, cultivados sem o uso de agrotóxicos e adubos
químicos. Cuidar das hortas todo dia à tarde passou a ser um momento
lúdico com toda a família. Suas netas, a sobrinha e o esposo se envolvem
na lida com os canteiros. “Pro meu marido mesmo, é uma terapia, pois
ele não gosta de sair de casa. Deu quatro da tarde, pode procurar: tá
ele aqui junto com a gente cuidando dos canteiros. Quando falo de
viajar, ele diz que não vai, porque não ficaria ninguém pra cuidar das
hortas”.
A cinco quilômetros de distância da propriedade de Minelvina, mora seu
Clemente, que também conquistou um barreiro-trincheira. Ele, que já
cultivava feijão, fava e milho, passou a plantar também cebolinha, alho,
couve, alface e girassol nos canteiros montados ao lado do barreiro.
Ele também cria suas cabeças de gado e se orgulha da disposição que tem,
mesmo aos 88 anos: “Eu cuido de três tarefas de roça aqui e mais outras
ali embaixo, tem as hortas e o gado. Eu monto a cavalo, me ralo todo
nos espinhos pra cuidar deles, e tudo isso com essa idade toda que eu
tenho”.
O barreiro-trincheira garante a água que faltava a seu Clemente, para
cultivar fora dos períodos de chuva. “A máquina chegou pra abrir isso
aqui. Mas rapaz, tinha muita pedra! Deu um trabalho arretado, mas no
fim, (o barreiro) deu mais de 30 metros, e mais de três de fundura. Uma
chuva só que deu encheu ele quase todo!”, relembra feliz, seu Clemente,
da chuva ocorrida em janeiro, a única mais intensa ocorrida no inverno
deste ano. A construção do barreiro está garantindo independência na
labuta com seu pedaço de terra. “Isso aqui foi o maior benefício que eu
já recebi na vida!”, afirma.
A Articulação Semiárido Brasileiro (ASA) dissemina pelo Semiárido várias
tecnologias sociais que captam e estocam a água da chuva, através do
Programa Uma Terra e Duas Águas (P1+2). O barreiro-trincheira é uma
dessas tecnologias. Um tanque longo, estreito e fundo escavado no solo.
De implementação simples, ele parte do saber tradicional acumulado pelas
famílias do Semiárido. Construído em área plana, armazena no mínimo 500
mil litros de água. Como é estreito, ele sofre menos com a ação do sol e
do vento, diminuindo a evaporação.
Em Bom Jesus da Serra, 16 famílias conquistaram essa tecnologia social
em 2012, por intermédio do Centro de Convivência e Desenvolvimento
Agroecológico do Sudoeste da Bahia (Cedasb), que implementa na região o
P1+2 com financiamento do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate
Fome (MDS).
No total, foram 91 famílias atendidas com todas as tecnologias, que
envolvem, além do barreiro: as cisternas-calçadão, cisternas-enxurrada,
barraginhas, tanques de pedra e bombas d’água populares (BAP). Em 2013,
mais 39 famílias conquistando meios de garantir água para o período
seco.
Mudança de mentalidade – Apesar das inúmeras experiências inspiradoras
de convivência com a estiagem, a ideia geral que se tem acerca do
semiárido brasileiro ainda está ligada as privações decorrentes da seca.
Minelvina conta um exemplo ocorrido dentro da própria família. Seus
filhos foram morar em SP, e eles duvidavam que fosse possível cultivar
verduras e hortaliças na terra da mãe. Acreditavam que a falta de água
inviabilizava qualquer possibilidade de se produzir qualquer coisa que
pedisse água diariamente.
Mas Minelvina provou o contrário. Com água armazenada no barreiro, comer
com qualidade e diversidade se tornou algo comum na rotina da casa. Ela
não ficou contente em apenas mostrar aos filhos as fotos, indo
pessoalmente levar os frutos da sua terra. “Eu já ia visita-los em SP, e
aproveitei pra mostrar a eles como estava a minha horta. Eu tirei
bastante coisa pra levar. Couve, cebola, maxixe, quiabo, cenoura, fiz o
tempero com o coentro... eles ficaram impressionados com o tamanho da
cabeça da beterraba, foi uma festa!”.
Aproveitando a carona de carreta dada por um conhecido, Minelvina viajou
um dia inteiro com seu sortimento de verduras e hortaliças, que
chegaram perfeitas, como ela mesma conta: “Eu levei as coisas assim não
muito fechado, pra não abafar, e chegou tudo bonito lá, nada murcho.
Mesmo a alface, que é mais fraca, chegou boa pra consumo. A família toda
se reuniu só pra comer a feira que eu levei”.
Desenvolvimento comunitário - Para a vice-presidente da
associação comunitária, Gessi Soares, a comunidade onde mora
experimentou um salto na produção de alimentos após a chegada das
tecnologias sociais do P1+2. “Quase todas as famílias que receberam o
projeto têm seus canteiros, suas hortaliças. Algumas têm mais, outras
têm menos, mas todo mundo tem ao menos, a alface, a couve, o tomate em
casa”, afirma.
Para Everaldo Mendonça, presidente do Cedasb e agricultor da comunidade
Pedra Branca, as tecnologias do P1+2 já fazem muita diferença para as
famílias que as receberam. Ele afirma que é nítida a melhoria na
qualidade da alimentação delas, e percebe a motivação para trabalhar em
suas propriedades. O incremento na renda de algumas famílias é outro
fator positivo, principalmente se levando em conta a escassez de chuvas
nos últimos anos. “É de chamar atenção a diversidade no cultivo dessas
famílias, que estão levando suas tradições adiante, de agricultores e
agricultoras familiares. Ver as pessoas recuperando sua autoestima de
gente do campo, garantindo a segurança alimentar e muitas outras
famílias interessadas em conquistar suas cisternas de produção, seus
barreiros, só demonstra que esse é um caminho bom para se seguir.”
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