Horta do Ciclista (Av. Paulista entre Bela Cintra e Consolação)
Típico da nossa sociedade compartimentada, o viaduto é uma
solução pontual e ineficiente para apenas um problema. Custa muito, em
geral não resolve o congestionamento, mas consegue aniquilar a qualidade
de qualquer espaço urbano. Uma horta comunitária em uma praça ou uma
horta para comercialização nas zonas mais afastadas do centro representa
o oposto: solução quase grátis, prazerosa e sistêmica para um montão de
problemas. Senhores governantes: por que investir tanto em viadutos e
tão pouco em agricultura urbana?
Quando comecei a plantar comida na cidade só estava pensando
no primeiro objetivo dessa lista. Aos poucos, fui descobrindo todos os
outros.
BENEFÍCIOS AMBIENTAIS
1 Menos pressão sobre os recursos naturais – Cada
pé de alface produzido no quintal ou na horta da esquina dispensa espaço
no campo, transporte e embalagem. Na verdade, no caso da
hortaliça-símbolo da salada, até o método de colheita muda: você só
retira da planta as folhas que vai consumir naquele momento e ela
continua produzindo por mais alguns meses. É urgente que as populações
urbanas reduzam a demanda sobre os recursos naturais, pois as cidades
hoje ocupam 2% da superfície terrestre mas consomem 75% dos recursos.
2 Combate às ilhas de calor - Áreas pavimentadas
irradiam 50% a mais de calor do que superfícies com vegetação. Em São
Paulo, a geógrafa Magda Lombardo constatou que a temperatura pode variar
até 12 graus entre um bairro e outro. Não por acaso, a Serra da
Cantareira e a região de Parelheiros são as mais frescas da cidade: é
onde a vegetação se concentra.
3 Permeabilização do solo – Enchentes e enxurradas
violentas são em parte resultado do excesso de pavimentação na cidade. E
simples jardins de grama, onde o solo fica compactado, não absorvem
tanta água quanto canteiros fofinhos das hortas.
4 Umidificação do ar - As plantas contribuem para reter água no solo e manter a umidade atmosférica em dias sem chuva.
5 Refúgio de biodiversidade – Nas hortas
comunitárias recuperamos espécies comestíveis que se tornaram raras
(como caruru, ora-pro-nobis, bertalha), plantamos variedades crioulas
(as plantas “vira-lata” que têm maior variedade genética e por isso são
mais resistentes às condições climáticas adversas) e atraímos uma rica
microfauna, especialmente polinizadores como abelhas de diversas
espécies, que estão em risco de extinção provavelmente pelo uso de
agrotóxicos nas zonas rurais. Sou voluntária da Horta do Ciclista e
testemunha de que as borboletas, joaninhas e abelhas aparecem em plena
Avenida Paulista quando plantamos flores e hortaliças.
6 Redução da produção de lixo – Os alimentos
produzidos localmente não só dispensam embalagens (que correspondem à
maior parte do lixo seco produzido) como absorvem grande quantidade de
resíduo orgânico na fabricação de adubo e até materiais de difícil
descarte como pneus e restos de madeira, que são usados na delimitação
de canteiros.
7 Adaptação às mudanças climáticas – A emissão
descontrolada de gases do efeito estufa está tornando o clima mais
instável e imprevisível, o que é péssimo para a produção de alimentos. A
agricultura urbana tem sido considerada uma importante alternativa para
a segurança alimentar e existem estudos indicando que cerca de 40% dos
alimentos podem ser produzidos dentro das cidades. Para saber mais
veja
http://conectarcomunicacao.com.br/blog/96-comida-de-amanh/
BENEFÍCIOS URBANÍSTICOS
8 Conservação de espaços públicos – Para explicar vou contar uma historinha: em 12 de outubro de 2012, quando fizemos o primeiro mutirão na Horta do Ciclista (
http://pt.wikiversity.org/wiki/Horta_do_Ciclista)
encontramos no local muito lixo, cacos de vidro e até fezes e seringa
usada. A partir do momento que começamos a cuidar daquele canteiro, a
população passou a respeitar. Não houve depredação nem mesmo durante as
grandes festas e manifestações que têm acontecido na Avenida Paulista.
9 Redução da criminalidade – Uma horta necessita de
cuidados diários e se torna um local muito visitado. Famílias com
crianças pequenas gostam de freqüentá-las, assim como velhinhos, grupos
de estudantes e um monte de gente bem intencionada em busca de uma
canto pacífico na urbe. O clima comunitário naturalmente afasta quem
está pretendendo cometer atos ilícitos. No Brasil ainda não há
estimativas sobre isso, mas nos Estados Unidos vários estudos já foram
feitos, alguns deles citados nesse artigo
http://www.motherjones.com/media/2012/07/chicago-food-desert-urban-farming.
10 Vida local – Um dos problemas das grandes
cidades, particularmente de São Paulo, é o excesso de deslocamentos numa
malha viária sobrecarregada. A agricultura — seja ela praticada como
forma de lazer, trabalho comunitário ou profissão — fixa as pessoas no
território diminuindo a demanda por transporte.
11 Contenção da mancha urbana – Se há incentivo para
a produção agrícola nas franjas das cidades e a atividade se combina
com turismo rural, diminui a pressão para desmatar e lotear. Mas esse
benefício a população e os agricultores não conseguem manter sem o apoio
do poder público.
BENEFÍCIOS SOCIAIS E PESSOAIS
12 Renascimento da vida comunitária – As hortas
promovem a integração entre pessoas de diferentes idades, origens e
estilos de vida. Assim como os cachorros, são mediadores sociais muito
eficientes. Não falta assunto quando há tanta coisa a admirar, tanta
tarefa a compartilhar, tanta dica e receita a trocar.
13 Lazer gratuito – Plantar custa praticamente nada.
É divertido, um bom pretexto para juntar os amigos e fazer um lanche
comunitário e ainda dá para levar umas verduras para casa sem pagar.
14 Mais saúde – Agricultura é exercício e cada
pessoa regula a intensidade. Do tai-chi-chuan contemplativo de joaninhas
ao aero-power-enxadão, tem ginástica para todos os gostos. Além disso,
mexer com a terra é terapia preventiva e curativa de depressão,
ansiedade, adicção, sedentarismo, obesidade, entre outros problemas,
sobretudo mentais. E nesse item tem até pesquisa brasileira para
comprovar. A autora é Silvana Ribeiro, da Faculdade de Saúde Pública da
USP:
http://www5.usp.br/29818/agricultura-urbana-agroecologica-auxilia-promocao-da-saude-revela-pesquida-da-fsp/
15 Educação ambiental na prática – Ver de perto o
desenvolvimento das plantas, da germinação à decomposição, é muito
melhor e mais eficaz do que aprender sobre os ciclos da natureza numa
sala de aula ou num livro. Além de uma universidade viva de botânica, as
hortas são excelentes locais para estudar o ciclo da água e a
microfauna, entre muitos outros temas.
16 Educação nutricional – Como na TV não passa
anúncio de brócolis e abobrinha e o “estilo de vida moderno” afastou
muitas famílias dos alimentos na forma natural, existem crianças hoje em
dia nunca viram um pimentão ou uma cenoura. Para ter uma ideia dos
riscos da alimentação industrializada para as próximas gerações, sugiro
assistir o documentário Muito Além do Peso (
http://www.muitoalemdopeso.com.br/).
Para ver como a agricultura urbana pode inverter esse jogo, sugiro ler
American Grown (de Michelle Obama) e Edible Schoolyard (de Alice
Waters). Ou simplesmente dar uma voltinha na horta comunitária mais
perto de você.
17 Promoção da segurança alimentar – Nossos
antepassados sabiam conseguir comida sem ter que comprar. Praticamente
toda a humanidade era composta de camponeses. Esses conhecimentos foram
sendo desprezados nas últimas décadas e, diante da perspectiva de crise
econômica e ambiental, reavivá-los pode ser muito útil. Se você não
gosta de conversa apocalíptica, favor voltar ao item anterior: segurança
alimentar não é só ter o que comer, é também saber escolher os
alimentos corretamente.
18 Integração agricultor/consumidor – Quem planta
comida, mesmo que seja em três vasos no quintal, se torna curioso a
respeito da origem dos alimentos que consome. E se sente irmanado aos
agricultores: quer saber mais, tem vontade de visitar e apoiar os
produtores, busca alimentos cultivados de forma mais justa e sem uso de
fertilizantes químicos e agrotóxicos. Junto com as hortas urbanas que
surgem nos bairros de classe média de São Paulo estão nascendo muitas
conexões e até amizades com agricultores próximos da metrópole. Um ciclo
virtuoso e nutritivo de cuidados mútuos.
PARA SABER MAIS
- A cidadezinha de Tordmorden, na Inglaterra, ficou famosa porque tem
hortas comunitárias em todos os cantos, até na delegacia e no cemitério.
O pessoal de lá registrou dicas para quem quer replicar a experiência.
http://www.shareable.net/blog/10-steps-toward-an-incredible-edible-town
1) Comece com o que vc tem e não com o que vc não tem;
2) Não faça um plano estratégico;
3) Não espere por permissão;
4) Simplifique;
5) Deixe a existência da horta divulgar o movimento e provocar diálogos;
6) Faça conexões;
7) Comece agora, pensando duas gerações adiante;
8 ) Redescubra talentos esquecidos;
9) Reconecte pequenas empresas e artesãos com os consumidores;
10) Redesenhe sua cidade.
- Aqui no Brasil, nós, do grupo Hortelões Urbanos (https://www.facebook.com/groups/horteloes/), fizemos esse
ROTEIRO COLABORATIVO PARA UMA HORTA COMUNITÁRIA
1) Encontre um espaço disponível;
2) Procure parceiros;
3)Converse com os vizinhos;
4) Vá com a turma visitar as hortas comunitárias que já existem;
5) Junte os voluntários para desenhar e planejar a horta que será construída;
6) Consiga sementes, mudas, composto orgânico, enxadas, pazinhas de
jardinagem, folhas secas, material para delimitar os canteiros e fazer
plaquinhas;
7) Realize o primeiro mutirão;
8 ) Monte uma escala de trabalho para regas e manutenção;
9) Crie uma forma de contato para outras pessoas se comunicarem com o
pessoal da horta (blog, e-mail, grupo no Facebook, o que preferirem);
10) Celebre a abundância e a solidariedade.