fonte: https://www.natgeo.pt/meio-ambiente/2022/04/como-compostar-e-os-beneficios-para-o-ambiente
Descubra a ciência que envolve a reciclagem de restos de comida caseira e como este processo reduz as emissões dos aterros sanitários.
Este composto é feito de uma mistura de restos de comida e resíduos encontrados nos quintais, como folhas caídas. Quando este adubo é adicionado ao solo, ajuda as plantas a prosperar.
Cerca de um terço da comida produzida no mundo inteiro vai para o lixo, e grande parte acaba em aterros sanitários – onde se torna numa fonte de metano, um gás de efeito estufa 25 vezes mais forte do que o dióxido de carbono. Eliminar o desperdício é a solução definitiva, mas há sempre algum desperdício que fica de parte. Contudo, existe uma solução que praticamente qualquer pessoa pode fazer: compostagem.
E independentemente de fazermos compostagem no nosso quintal ou numa instalação comunitária, os especialistas dizem que isto reduz o lixo que produzimos e, de certa forma, ajuda a combater as alterações climáticas.
“Não é preciso ter medo. É relativamente fácil. É um processo onde podemos errar, mas facilmente aprendemos e corrigimos”, diz Bob Rynk, autor principal de The Composting Handbook e professor emérito da SUNY Cobleskill.
O que acontece numa pilha de compostagem?
Os alimentos transformam-se em composto através do trabalho árduo de pequenos microrganismos como bactérias, fungos e protozoários.
“Quando temos uma pilha de compostagem, tornamo-nos numa espécie de agricultor de micróbios. Estamos a fazer a gestão de micróbios”, diz Rhonda Sherman, especialista em compostagem da Universidade da Carolina do Norte. “E os micróbios precisam do quê? Precisam das mesmas coisas que nós, ou seja, ar, água, comida e abrigo.”
Em pequena escala, quer seja no nosso quintal ou bairro, uma pilha de compostagem deve consistir em três coisas: restos de comida, água e material seco e lenhoso, como aparas da vegetação do quintal ou folhas caídas.
Para além de evitar que uma pilha se desmorone, o material seco é mais volumoso e cria espaço para o oxigénio se mover por toda a pilha. Este oxigénio ajuda os minúsculos micróbios a decompor os resíduos dos alimentos através de um processo chamado digestão aeróbica.
Nos aterros sanitários, os enormes montes de lixo impedem a passagem do oxigénio até aos alimentos em decomposição e, em vez disso, estes são decompostos por micróbios que conseguem sobreviver sem ar. A digestão anaeróbica praticada por estes tipos de micróbios produz metano.
Por outro lado, à medida que os micróbios aeróbicos decompõem os resíduos – “primeiro os compostos açucarados mais fáceis e depois as proteínas, gorduras e, finalmente, as fibras”, diz Bob Rynk – emitem dióxido de carbono, que também é um gás de efeito estufa, mas é menos agressivo que o metano.
Os micróbios também emitem calor e, numa pilha grande e bem gerida, este calor pode ultrapassar os 54 graus Celsius, o suficiente para matar patógenos.
A compostagem fresca após vários meses fica num estado de decomposição mais lento; que é rico em microrganismos e nutrientes como nitrogénio, fósforo e potássio.
Como fazer uma pilha funcional
Em casa, devemos mexer ou misturar a pilha periodicamente e mantê-la húmida. Ambas as etapas aceleram o processo de decomposição. Mexer a pilha permite ao oxigénio alcançar todos os recantos, e a humidade garante a sobrevivência dos microrganismos.
Na verdade, a razão mais comum pela qual as pilhas de compostagem feitas em quintais não são bem-sucedidas deve-se ao facto de estarem demasiado secas. Mas não devemos alagar a pilha – a adição de mais verduras, que contêm humidade, pode ser suficiente. Caso contrário, podemos borrifar suavemente água sobre a pilha para a manter húmida.
Torça uma esponja molhada e observe como a sua textura fica levemente húmida: “É assim que a sua pilha de compostagem deve parecer e sentir”, diz Rhonda Sherman. “Vai poder ver que a pilha fica humedecida, mas não fica a pingar por todo o lado.”
Rhonda Sherman está constantemente a dizer às pessoas para terem recipientes de compostagem com cerca de um metro de altura, para que possam acumular calor suficiente – mas também para as manterem à sombra, onde não secam.
“As pessoas acreditam que têm de colocar as pilhas ao sol para aquecer. Mas isso é um mito! A ação dos microrganismos é que aquece os materiais na pilha”, diz Rhonda.
Porém, nem todos os restos de comida são recomendados para uma pilha de compostagem no quintal. Os restos de frutas e vegetais geralmente podem ir para a pilha, mas a carne ou os laticínios por consumir têm mais propensão para emanar odores e atrair pragas. E também contêm níveis mais elevados de gordura, que demora mais tempo a decompor. Apesar de não ser invulgar ver roedores num recipiente de compostagem, remexer a pilha regularmente impede-os de criar ninhos, e a compostagem pode ser feita em recipientes fechados.
A Agência de Proteção Ambiental dos EUA tem uma lista detalhada dos itens que não devem ser atirados para uma pilha de compostagem. Isto inclui coisas como aparas de jardim tratadas com pesticidas, que podem matar microrganismos.
O desperdício alimentar aqui mostrado foi recolhido pelos habitantes de Lyon, em França, e vai ser processado numa instalação comercial de compostagem. Ao adicionar a recolha de resíduos alimentares aos programas regulares de reciclagem e recolha de lixo, as cidades podem reduzir a quantidade de lixo enviada para os aterros sanitários.
Algumas comunidades têm agora contentores para os restos de comida ao lado dos caixotes do lixo e da reciclagem. Os restos de comida recolhidos ao nível urbano normalmente vão para instalações enormes de compostagem industrial, onde os itens são geralmente triturados ou picados à chegada e processados a altas temperaturas. Este tipo de compostagem pode ser feita em pilhas gigantes ou em silos. Nestes casos, onde se enviam resíduos alimentares para instalações industriais de compostagem, os municípios tendem a aceitar uma maior variedade de restos do que aquelas que podemos usar no nosso quintal, mas os regulamentos variam de acordo com cada cidade.
Para quem não tem quintal ou simplesmente não quer mexer numa pilha de compostagem, pode tentar aderir a um serviço de resíduos alimentares gerido pela cidade – há muitas hortas urbanas e mercados de agricultores que aceitam o composto.
E para quem está preocupado com o odor de ter restos por perto ou na cozinha, antes de os mover para a pilha grande de compostagem, Rhonda Sherman diz que colocar os restos de comida no congelador “muda tudo”. Ao congelar as sobras, pausamos o processo de decomposição e evitamos a formação de odores.
Como se faz a compostagem com minhocas?
A compostagem com minhocas, ou “vermicompostagem”, produz um adubo ainda mais valioso. Os vermes digerem os restos e segregam as carcaças ricas em nutrientes para as plantas. Os investigadores também estão a descobrir que os microrganismos vivos, que se encontram sobretudo no “vermicomposto”, podem ajudar a proteger as plantações de doenças comuns e reduzir a necessidade de utilização de herbicidas e pesticidas.
Contudo, embora as minhocas sejam por vezes encontradas naturalmente no fundo de uma pilha de compostagem, não devem ser adicionadas a um recipiente grande e quente de compostagem.
As minhocas não têm pulmões, respiram pela pele, que precisa de permanecer húmida para evitar que sequem e morram. Embora um recipiente de compostagem deva estar húmido, normalmente não tem humidade suficiente para as minhocas sobreviverem.
Em vez disso, diz Rhonda Sherman, as minhocas devem ficar em recipientes mais pequenos, com menos de 60 centímetros de altura. Como prosperam em espaços mais apertados, as minhocas ficam facilmente contidas num recipiente fechado sob o lava-loiça da cozinha ou na varanda de um apartamento, tornando a chamada vermicompostagem numa opção para as pessoas que não têm quintal. Nos EUA, o Conselho de Defesa de Recursos Naturais tem um tutorial que mostra como construir um recipiente de vermicompostagem em casa.
O que fazer com embalagens de alimentos biodegradáveis/compostáveis?
Os produtos rotulados como “compostáveis” ou “biodegradáveis”, como os materiais de embalagens ou utensílios, estão a ficar mais populares, mas têm de ser processados numa instalação de compostagem industrial.
Ian Jacobson, presidente da Eco-Products, uma fabricante de produtos compostáveis, diz que a sua empresa vendia cerca de 200 produtos diferentes em 2010, mas agora tem mais de 450. Os recipientes rotulados como compostáveis podem ir desde papel até bioplástico, que é plástico feito de plantas como milho. Alguns destes produtos, mas não todos, são certificados pelo Instituto de Produtos Biodegradáveis (BPI), o maior certificador de compostáveis nos EUA, que testa produtos compostáveis para garantir que podem ser processados em instalações comerciais.
Os recipientes de comida para levar geralmente são feitos de papel compostável. “Mas se atirarmos simplesmente a embalagem para a nossa caixa de compostagem, ela vai ficar lá”, diz Rhonda Sherman. Devemos triturar o recipiente em pedaços pequenos, não maiores do que cinco centímetros, para facilitar a sua decomposição por parte dos micróbios.
Ainda assim, este processo pode demorar. Apesar de uma pilha de compostagem de quintal bem gerida poder atingir temperaturas elevadas, as temperaturas mais altas produzidas numa instalação industrial decompõem o material de forma mais eficaz. Rhonda Sherman também refere que os produtos de papel compostável, como os jornais ou toalhas de papel, podem ficar “encharcados” e compactados numa pilha de compostagem, ficando sem ventilação.
As embalagens de alimentos feitas de bioplásticos não são compostáveis numa lixeira doméstica porque geralmente têm fortes ligações de polímeros que só podem ser quebradas numa instalação industrial. No entanto, nem todos os bioplásticos podem ser processados em instalações comerciais de compostagem porque alguns bioplásticos contêm aditivos químicos tóxicos que os impermeabilizam ou conferem mais resistência
(Tudo o que precisa de saber sobre o plástico feito de plantas.)
Como é que a compostagem ajuda o ambiente?
Em 2018, os EUA produziram quase 300 milhões de toneladas de lixo, cerca de 2,2 quilos por pessoa. A seguir aos produtos de papel, os alimentos foram a segunda maior categoria de resíduos, abrangendo cerca de 21% do tudo que atiramos fora e aumentando o tamanho dos aterros sanitários, que são a fonte de 34% das emissões de metano.
Se for feita em grande escala, a compostagem pode reduzir as emissões. A cidade de São Francisco, que estabeleceu a compostagem obrigatória em 2009, tem conseguido desviar anualmente 80% dos resíduos dos aterros sanitários, mais de 2.5 milhões de toneladas no total.
Uma estimativa feita pelo Conselho de Defesa de Recursos Naturais descobriu que as leis de compostagem de São Francisco reduziram o equivalente a 90.000 toneladas de dióxido de carbono por ano, o mesmo número de emissões de cerca de 20.000 veículos de passageiros.
Para além de reduzir as emissões nos aterros, a compostagem também torna o solo mais saudável. Quando esta matéria é colocada sobre o solo num jardim ou numa quinta, a matéria orgânica presente no composto melhora os solos. E também ajuda a unir as partículas do solo e retém mais água. Um solo mais saudável ajuda a suportar o crescimento das plantas, algo que pode ajudar a capturar mais carbono da atmosfera. Um solo mais forte e rico em nutrientes também reduz a necessidade de utilização de fertilizantes e pesticidas, que são poluentes e muitas vezes são produzidos com práticas de mineração destrutivas e uma pegada de carbono elevada.
Na verdade, a única desvantagem da compostagem pode ser o “fator nojo”. Nesse aspeto, Rhonda Sherman diz que as pessoas não se devem preocupar.
“Não é uma coisa fedorenta nem nojenta. Eu só vou uma vez por semana à pilha grande de compostagem no quintal e demoro três minutos a fazer tudo. Eu tento encorajar sempre as pessoas. Tento dizer às pessoas que é extremamente fácil de fazer.”
Este artigo foi publicado originalmente em inglês no site nationalgeographic.com