Fonte:
http://nossaciencia.com.br/noticias/pesquisadores-criam-sistema-integrado-de-tecnologias-sociais-para-rejeitos-de-dessalinizadores/
Professor Nildo Dias, no centro da foto, com os participantes do projeto.
Projeto desenvolvido na Ufersa está beneficiando
famílias de Assentamentos e Comunidades rurais. A ideia foi selecionada
para prêmio da Agência Nacional de Águas
As estações de tratamentos de águas salobras de poços instaladas
em Comunidades e Assentamentos rurais vêm sendo utilizadas por dezenas
de famílias que sofrem com a escassez hídrica. Mas, qual o destino
adequado para os rejeitos salinos desses dessalinizadores que podem
poluir rios e solos, causando grande impacto ambiental? Aproveitar o
rejeito para irrigar hortas comunitárias, na produção de tilápias e na
engorda de rebanhos caprinos e ovinos foram as respostas sustentáveis
dos pesquisadores do Centro de Ciências Agrárias da Universidade Federal
do Semiárido (Ufersa).
Iniciado em 2009, o projeto de pesquisa da Ufersa “Produção Agrícola
Familiar Utilizando Rejeito da Dessalinização”, coordenado pelo
professor Nildo Dias, começou observando os impactos da deposição do
rejeito no solo em uma visita de campo à Comunidade de Bom Jesus, Campo
Grande, RN. “Decidimos, inicialmente, aproveitar o rejeito salino em um
projeto de hortas comunitárias e, como este suporte hídrico era bastante
salino, desenvolvemos algumas estratégias de manejo para irrigar as
hortaliças, sendo a escolhas de espécies tolerantes aos sais e a
irrigação superficial, as principais práticas”, lembra o professor.
Depois dessa primeira ação, os pesquisadores resolveram testar o uso
do rejeito salino para a produção de tilápias em viveiro de criação
devido a elevada tolerância da espécie à salinidade da água; porém esta
deveria estar integrada a outras ações em um sistema de produção capaz
de eliminar os riscos de impactos ambientais negativos e que, também,
contribuíssem para a segurança alimentar das localidades beneficiadas.
Premiação
Ao todo, seis projetos de todo o país foram selecionados para a final
do Prêmio da Agência Nacional de Águas – ANA 2017. O projeto que foi
selecionado para a final na categoria Pesquisa e Inovação Científica.
Com a classificação, o projeto da Ufersa agora receberá uma visita
técnica da comissão avaliadora da Agência. Após essas visitas, serão
divulgados o resultado e a classificação final. A visita está agendada
para a segunda semana de outubro e a premiação para os vencedores será
no dia 06 de dezembro.
O professor Nildo comemora estar entre os finalistas do prêmio. “Isso
é muito gratificante porque representa o reconhecimento de um trabalho,
iniciado em 2009, em prol do fortalecimento da agricultura familiar.
Estamos convictos de que Ufersa pode e deve apontar soluções e caminhos
para assegurar água e promover o desenvolvimento e a qualidade de vida
dos povos do campo”.
Sistema de produção
O professor Nildo Dias explica que o sistema é composto por um
conjunto de ações, que inclui o tratamento e dessalinização da água dos
poços produzindo água potável para as famílias e também a água
residuária (rejeito salmoura ou concentrado). O efluente do
dessalinizador é bombeado para tanques de piscicultura para a criação de
tilápia, fonte de proteínas para a comunidade. Posteriormente, o
efluente dessa criação, enriquecido em matéria orgânica, é aproveitado
na produção vegetal (horta comunitária orgânica, irrigação de mudas de
essências florestais para revegetação e irrigação de espécies
forrageiras. “Por último temos a forragem, com teor de proteína entre 14
e 18%, ela é utilizada para a engorda de caprinos e/ou ovinos que,
juntamente como a produção de tilápia e hortaliças garante a segurança
alimentas e nutricional das famílias e, ainda a o aumento da renda com a
venda do excedente, fechando assim o sistema de produção ambientalmente
sustentável”, comemora Dias.
De acordo com o pesquisador, durante o processo de dessalinização,
60% da água tornam-se potável e os outros 40% são rejeitos salinos, que
quando não são descartados da forma correta, possuem um elevado
potencial de poluição dos rios e solos. A água de rejeito tem potencial
para contaminar mananciais, solos e, em casos extremos a fauna e a flora
da região, resultando na desertificação da área devido a salinização
dos solos.
“Quando, por exemplo, os sais presentes no rejeito da dessalinização
tem acumulação excessivamente nos solos, este pode ter vários efeitos
negativos sobre as plantas como seca fisiológica (a presença de sais
solúveis no solo dificulta a absorção da água no solo) e toxicidade das
folhas pelo acúmulo excessivo de sais, reduzindo o seu crescimento e a
produção das plantas”, explica Nildo Dias.
Resultados alcançados
O coordenador do projeto conta que as ações da pesquisa apresentaram
possibilidades técnicas do uso ‘nobre’ do rejeito salino e apontam a
viabilidade desse processo para a produção agrícola familiar, com vista à
geração de renda em comunidades rurais. Além disso, essas ações
colaboraram significativamente com a gestão participativa das águas
residuárias e com a potencialização da geração de renda e de alimentos,
por meio da inovação e da diversidade de atividades que poderão ser
desenvolvidas pelas famílias, também contribuindo para a conservação
ambiental de dois importantes recursos naturais: o solo e a água.
“O rejeito salino tem restrições de uso para fins de irrigação quando
manejado inadequadamente e, a sua deposição direta nos solos provoca a
salinização das áreas das comunidades. O subsistema criação de peixes
utilizando rejeito salino como suporte hídrico ocupa a segunda menor
área entre as atividades desenvolvidas na comunidade e o mais eficiente
dos subsistemas no que se refere à produtividade. A produção de mudas de
essência da caatinga e a produção de hortaliças orgânicas utilizando o
rejeito salino são viáveis para o fortalecimento da agricultura familiar
com maior segurança ambiental. A erva sal extraiu do solo 971,21 kg de
sais por ha-1 ano-1, comprovando o seu poder de fitoremediação dos ambientes salinos”, detalha.
Tecnologia social
Mesmo com os resultados promissores alcançados, o professor Dias
conta que no início foi bastante difícil a interação com a comunidade,
pois eles não acreditavam muito que a água de rejeito salino pudesse ser
utilizada na irrigação e produzir satisfatoriamente. “Muitos diziam:
“nem os cavalos bebem essa água”. Mas com o tempo, eles passaram a
acreditar e a se envolver mais com o projeto quando os resultados foram
surgindo”, relembra.
Ainda
segundo ele, hoje é mais fácil envolver as famílias na comunidade, pois
inicialmente os pesquisadores fazem um trabalho de sensibilização e
mobilização utilizando os resultados da experiência do projeto piloto.
“Além disso, realizamos algumas capacitações sobre temas relacionados
com o projeto como, por exemplo, produção de mudas, hortas orgânicas e
criação de peixes em viveiros utilizando rejeito como suporte hídrico.
Para garantir o envolvimento da comunidade e a socialização da
tecnologia do nosso projeto utilizamos a metodologia da pesquisa
participativa, ou seja, todas as atividades do projeto são dialogadas
com as famílias em uma construção conjunta de instrumentos que
potencializariam o planejamento das ações e sua execução”, diz.
A equipe do professor Dias é formada por estudantes de graduação e
pós-graduação. No projeto já foram desenvolvidos vários Trabalhos de
Conclusão de Curso, Dissertações e Teses de Doutorado. Também participam
discentes do curso de Engenharia de Pesca, Agronomia, Ciências e
Tecnologia e Engenharia Agrícola da Ufersa. “Nós levamos a nossa
experiência cientifica para as famílias, mas, também, aprendemos muito
com a comunidade e os agricultores(as). Na verdade é uma troca de
experiência e de saberes científico e empírico”.
Planos para o futuro
Em janeiro de 2014, a equipe conseguiu um financiamento do Instituto
Brasileiro de Desenvolvimento e Sustentabilidade – IABS e com isso foi
possível replicar essa experiência em mais duas comunidades rurais de
Mossoró, no RN (Santa Elza e Serra Mossoró) que, também possuem estações
de dessalinização. “Hoje não temos financiamento, submetemos uma
proposta para o edital da Fundação Nacional de Saúde (FUNASA) e estamos
esperando o resultado. Ainda temos muitas pesquisas para realizar”,
pondera.
De acordo com Nildo Dias, não há dúvidas que o emprego desta
tecnologia acaba por amenizar as precárias condições do abastecimento
hídrico nas localidades nordestinas contempladas pelos programas
governamentais neste âmbito. “Precisamos otimizar e priorizar questões
relativa à qualidade alimentar e nutricional da comunidade e, estamos
buscando parceria com profissionais da área de saúde pública para que
possamos despertar o interesse das pessoas em ter bons hábitos
alimentares e, também evitarem o desperdício de alimento e, se possível,
aproveitá-lo antes de serem descartados”, planeja.
A próxima etapa do projeto prevê a redução de custos na criação de
tilápias, estudando métodos alternativos para reduzir os gastos com a
ração industrializada, que é a maior dificuldade relatada pelos
agricultores. “Então, se conseguirmos desenvolver uma ração caseira para
alimentar os peixes, os custos serão reduzidos, o agricultor não fica
dependente da indústria, ganha autonomia e a tecnologia social torna-se
mais acessível”, planeja.
Edna Ferreira