Perante uma atenta plateia composta por mais de 3 mil pessoas, a renomada cientista indiana
Vandana Shiva
(foto) fez uma palestra de uma hora, respondeu a perguntas e encantou a
todos com suas ideias, experiências e convicções, durante a abertura do
III Encontro Internacional de Agroecologia, no dia 31 de julho, na cidade de
Botucatu, interior de São Paulo.
A reportagem é de
Péricles de Olveira, publicada no jornal
Brasil de Fato, 06-08-2013.
Vandana foi muito contundente ao longo de toda a sua
fala. Começou contando de sua vida, de como havia estudado biologia e
física quântica na universidade e de como se considerava uma pessoa
alienada da realidade do mundo.
Esclareceu que o choque que a fez despertar foi um grave acidente
ocorrido, 30 anos atrás, numa fábrica de pesticidas – que resultou numa
tragédia, com a morte de mais de 35 mil indianos. A partir daí, é que
ela acaba se convertendo à causa do povo e não para mais de pesquisar a
ação das empresas transnacionais sobre a agricultura.
Hoje, ela é considerada uma das principais pesquisadoras dos
malefícios para a saúde humana e para a destruição da biodiversidade que
as
sementes transgênicas e os agrotóxicos das empresas transnacionais vêm causando em todo o mundo.
“Revolução Verde”
Vandana falou sobre as consequências da chamada
Revolução Verde, imposta pelo governo dos Estados Unidos, na década de
1960, a toda a sua área de influência como forma de vender mais insumos
agroquímicos e suas mercadorias agrícolas.
O resultado disso – o de subjugar países e camponeses – pode ser
visto hoje, já que 65% de toda a biodiversidade e dos recursos de água
doce do planeta foram contaminados por agrotóxicos.
Além disso, há estudos comprovando que 40% de todo o efeito estufa
que afeta o clima no planeta é causado pelo uso exagerado,
desnecessário, de fertilizantes químicos na agricultura. Chegou a dizer,
inclusive, que em muitas regiões da Europa, em função da mortandade e
desaparecimento das abelhas, a produtividade agrícola já teria caído
30%.
A indiana atentou para o fato de que se fôssemos calcular os
prejuízos e custos necessários para repor a biodiversidade e
reequilibrar o meio ambiente com vistas a amenizar os desequilíbrios
climáticos, eles seriam maiores, em dólares, do que todo o comércio de
commodities que as empresas realizam.
Genocídio
Em relação à ação das empresas transnacionais que atuam na agricultura – como
Monsanto,
Bunge,
Syngenta e
Cargill
– também não poupou críticas. Denunciou que elas controlam a produção e
o comércio mundial da soja, milho, canola e trigo. E que fazem
propaganda enganosa dizendo que a humanidade depende dos alimentos
produzidos pelo agronegócio para sobreviver, quando na prática a
humanidade se alimenta com centenas de outros vegetais e fontes de
proteínas, que elas ainda não puderam controlar.
Disse que essas “empresas, ao promoverem as sementes transgênicas,
não inventaram nada de novo. Não desenvolveram nada. O único que fizeram
foi fazer mutações genéticas que existem na natureza para viabilizar a
venda de seus agrotóxicos”.
Citou que a
Monsanto conseguiu controlar a produção
de algodão na Índia, apoiada por governos subservientes, neoliberais, e
que hoje 90% da produção depende de suas sementes e venenos. Com isso
houve uma destruição do modo camponês de produzir algodão e um
endividamento dos que permaneceram.
A conjunção do alto uso de venenos intoxicantes que levam à depressão
e a vergonha da dívida fez com que, desde 1995 até os dias de hoje,
houvesse 284 mil suicídios entre os camponeses indianos. Um verdadeiro
genocídio escondido pela imprensa mundial e cuja culpada principal seria
a Monsanto.
Apesar de tantos sacrifícios humanos, a
Monsanto
ainda recolhe em seu país 200 milhões de dólares anuais, cobrando
royalties pelo uso de sementes geneticamente modificadas de algodão.
Commodities não são alimentos
O modelo do agronegócio é apenas uma forma de se apropriar do lucro
dos bens agrícolas, mas ele não resolve os problemas do povo. Tanto é
que aumentamos muito a produção, poderíamos inclusive abastecer 12
bilhões de pessoas [quase o dobro da população mundial], mas, no
entanto, temos 1 bilhão de pessoas que passam fome todos os dias, sendo
500 milhões delas camponesas que vivem no meio rural e que tiveram seu
sistema de produção de alimentos destruído pelo agronegócio.
As commodities agrícolas são meras mercadorias agrícolas, não são
alimentos. Cerca de 70% de todos os alimentos do mundo ainda são
produzidos pelos camponeses. É preciso entender que alimentos são a
síntese da energia necessária que os seres humanos precisam para
sobreviver, a partir do meio ambiente em que vivem, recolhendo essa
energia d a fertilidade do solo e do meio ambiente.
Quanto maior a biodiversidade da natureza, maior o número de
nutrientes e mais sadia será a alimentação produzida naquela região para
os humanos. E o agronegócio destrói a biodiversidade e as fontes de
energia verdadeiras.
As empresas lançam mão de um fetiche gerado pela propaganda, de que
estão usando modernas técnicas de biotecnologia para aumentar a
produtividade das plantas, mas isso é um engodo. Quando se vai pesquisar
o que são tais biotecnologias, elas são guardadas em segredo. Porque,
no fundo, elas não mudam nada na natureza. São apenas mecanismos para
aumentar a rentabilidade econômica das grandes plantações.
Na verdade, a agricultura industrial é a padronização do
conhecimento, é a negação do conhecimento sobre a arte de cultivar a
terra. Porque o verdadeiro conhecimento é desenvolvido pelos próprios
agricultores, e pelos pesquisadores, em cada região, em cada bioma, em
cada planta.
Consumidores
O modelo do agronegócio quer transformar as pessoas apenas em “consumidores” de suas mercadorias.
Vandana
nos diz que devemos combater o uso e o reducionismo da expressão
“consumidores”, que devemos usar o termo “seres humanos”, pessoas que
precisam de uma vida saudável. “Consumidor” indica uma redução
subalterna do ser humano.
As empresas do agronegócio dizem que são o desenvolvimento e o
progresso. Na prática, chegam a controlar 58% de toda produção agrícola
do mundo, porém, dão trabalho para apenas 3% das pessoas que vivem no
meio rural. Portanto, o agronegócio é um sistema antissocial.
A indiana revelou ainda que fez parte de um grupo de 300 cientistas
de todo mundo que se dedicam a pesquisar a agricultura e que após
realizarem diversos estudos, durante três anos, comprovaram que nem a
Revolução Verde imposta pelos Estados Unidos, nem o uso intensivo das
sementes transgênicas e dos agroquímicos podem resolver os problemas da
agricultura e da alimentação mundial. Algo que só pode acontecer por
meio da recuperação de práticas agroecológicas que convivam com a
biodiversidade, em cada local do planeta.
Vandana concluiu sua crítica ao modelo do
agronegócio dizendo que ele projeta a destruição e o medo, porque é
concentrador e excludente. Por isso, tornou-se algo comum o costume
dessas empresas ameaçarem ou cooptarem os cientistas que se opõe a elas.
A saída é a agroecologia
Após criticar duramente o modelo do capital, a cientista dedicou sua
palestra a projetar as técnicas ou o modelo de produção da agroecologia
como a alternativa popular e necessária para produção de alimentos.
Defendeu que o modelo da agroecologia é o único que permite
desenvolver técnicas de aumentar a produtividade e a produção sem a
destruição da biodiversidade.
Que a agroecologia é a única forma de criar empregos e formas de vida
saudáveis para a população permanecer no campo e não ter de se
marginalizar nas grandes cidades. Sobretudo, fez a defesa de que os
métodos da agroecologia são os únicos que conseguem produzir alimentos
sadios, sem venenos.
Dificuldades da transição
Quando perguntada sobre as dificuldades da transição entre os dois
modelos, contestou, citando a Índia: “Nós já tivemos problemas maiores
na época do colonialismo inglês. No entanto,
Gandhi nos
ensinou que a nossa fortaleza é sempre ‘lutar pela verdade’, porque o
capital engana e mente para poder acumular riquezas. Mas a verdade está
com a natureza, está com as pessoas”.
Dessa energia que emana de
Gandhi,
Vandana
reforçou: “Se houver vontade política para fazer a mudança, se houver
vontade para produzir alimentos sadios, será possível cultivá-los”.
Vandana concluiu conclamando a todos a se envolverem e participarem do
Encontro Mundial de Luta Pelos Alimentos Sadios e Contras as Empresas Transnacionais que a
Via Campesina,
os movimentos de mulheres e centenas de entidades realizam todos os
anos, na semana de 16 de outubro. “Precisamos unificar as vozes e as
vontades em nível mundial. E essa será uma ótima oportunidade.”
Recomendações
Quando perguntada sobre as recomendações que daria aos jovens, aos
estudantes de agronomia, aos agricultores praticantes da agroecologia,
Vandana Shiva elencou seis pontos:
Primeiro: disse que a base da agroecologia é a
preservação e a valorização dos nutrientes que há no solo. Neste
instante, a indiana fez referência a outra cientista presente na plateia
que a assistia muito atenta, a professora Ana Maria Primavesi. “Precisamos ir aplicando as técnicas que garantam a saúde do solo, e dessa saúde, recolheremos frutos com energia saudável.”
Segundo: estimular que os agricultores controlem as
sementes. As sementes são a garantia da vida. “Nós não podemos permitir
que as empresas transnacionais transformem nossas sementes em meras
mercadorias. As sementes são um patrimônio da humanidade.”
Terceiro: precisamos relacionar a agroecologia com a
produção de alimentos saudáveis que garantam a saúde e assim conquistar
os corações e mentes da população da cidade, que está sendo cada vez
mais envenenada pelas mercadorias com agrotóxicos. “Se vincularmos os
alimentos com a saúde das pessoas, ganharemos milhões de pessoas da
cidade para a nossa causa.”
Quarto: precisamos transformar os territórios em que
os camponeses têm hegemonia em verdadeiros santuários de sementes, de
árvores sadias, de cultivo da biodiversidade, da criação de abelhas, da
diversidade agrícola.
Quinto: precisamos defender a ideia que faz parte da
democracia, a liberdade das pessoas de terem opções de alimentos. Elas
não podem mais serem reféns dos produtos que as empresas colocam nos
supermercados de acordo com a sua vontade apenas.
Sexto: precisamos lutar para que os governos parem
de usar dinheiro público – que é de todo o povo – para subsidiar,
transferir esses recursos para os fazendeiros. Isso vem acontecendo em
todo o mundo e também na Índia. O modelo do agronegócio não se sustenta
sem os subsídios e vantagens fiscais que os governos lhes garantem.
Fonte: INSTITUTO HUMANITAS UNISINOS
http://www.ihu.unisinos.br/noticias/522514-agronegocio-um-modelo-esgotado