Presentear parentes e vizinhos com sementes era prática comum quando as famílias de agricultores se visitavam. Ainda hoje é bem presente a troca de mudas, sementes ou animais entre parentes e vizinhos de comunidades do interior. Esse gesto é garantia de melhoramento de espécies ou variedades de plantas e raças de animais.
Alicerçada nessas práticas, a humanidade produziu e se alimentou por mais de 10.000 anos. Mas, em apenas pouco mais de 50 anos, a produção de alimentos sofreu grandes transformações. “O modelo industrial agroquímico aplicado no campo negou essas práticas populares de manutenção e melhoramento das espécies e raças classificando-as como atrasadas”, observa Valdemar Arl, engenheiro agrônomo e doutor em agroecologia.
A nova tecnologia adotada na agricultura mundial proporcionou avanços na área do melhoramento, mas teve efeitos negativos e criou problemas. Entre eles, a redução drástica na base alimentar dos povos: existem mais de 10.000 espécies de plantas comestíveis - os povos primitivos se alimentavam de 1.500 a 3.000 espécies.
Base - A agricultura antiga produzia com base em mais de 500 espécies. Já a agricultura industrial restringiu a base da alimentação humana a nove espécies, que são aquelas que dão mais lucro ao mercado. O trigo, arroz, milho e soja representam 85% do consumo de grãos no mundo.
Outro dando crescente é a deficiência nutricional na alimentação humana: isso é consequência direta da redução de diversidade alimentar e também porque essas espécies oferecidas pelo mercado são pobres em muitos minerais e proteínas.
Ocorre também a redução da biodiversidade: muitas espécies e variedades já se perderam e as monoculturas vão tomando conta do campo. Há ainda perda da diversidade genética e as plantas vão se tornando cada vez mais susceptíveis a pragas e doenças. A perda da diversidade desequilibra os sistemas, tanto os sistemas naturais quanto os cultivados, segundo a rede Ecovida, que atua na região Sul.
Dependência - Outro problema é a crescente dependência de grandes corporações empresariais. Algumas poucas empresas querem dominar a produção e distribuição de alimentos no mundo. “Estamos cada vez mais dependentes dessas empresas para nos alimentarmos e, portanto, sujeitos às suas decisões quanto ao que devemos comer e quanto devemos pagar por isso”, diz Arl. “A ofensiva dos transgênicos é parte dessa estratégia de controle e dominação”, emenda.
As sementes não podem ser privatizadas ou contaminadas com genes estranhos à espécie, como acontece nos transgênicos, e nem tornar-se objeto de dominação dos povos por parte de corporações empresariais.
“As sementes são patrimônio da humanidade, pois são um legado de nossos antepassados”, afirma. Tão importantes para a existência humana que são constantemente celebradas e consagradas.
Alimentação baseia-se em espécies nativas da América
Grande quantidade de espécies, usadas na alimentação atual, é nativa das Américas. Foram deixadas pelos indígenas (astecas, maias, incas), entre elas milho, batata, mandioca, feijão, algodão tomate, pimenta, amendoim, cacau e abóbora. Outras foram trazidas de outros continentes, como o trigo e o arroz, mas por centenas de anos são conservadas e melhoradas pelos agricultores. Essas sementes são chamadas de sementes crioulas.
A disponibilidade e continuidade dessas sementes são virtude e missão da agricultura familiar. São fundamentais para a garantia de segurança e soberania alimentar dos povos. “As sementes crioulas são adaptadas aos ambientes locais, portanto mais resistentes, e menos dependentes de insumos”, descreve o pesquisador da Embrapa Irajá Ferreira Antunes.
São também a garantia da diversidade alimentar e contribuem com a biodiversidade dentro dos sistemas de produção. A biodiversidade é a base para a sustentabilidade dos ecossistemas (sistemas naturais) e também dos agroecossistemas (sistemas cultivados).
Método massal é semelhante à seleção natural
O método de seleção massal (coleta), semelhante à seleção natural, permitiu aos produtores desenvolveram variedades crioulas. As características envolvendo adaptação às condições locais são retidas, juntamente com aspectos de rendimento e desempenho, mantendo-se ainda a variabilidade genética.
As sementes crioulas são adaptadas às condições locais e possuem características que as diferenciam em relação às demais variedades. Possuem, internamente, maior variabilidade genética quando comparada às obtidas por outros métodos.
As crioulas atendem a um dos princípios básicos da agroecologia que é o de desenvolver plantas adaptadas às condições locais, capazes de tolerar variações ambientais e ataque de organismos prejudiciais. Outro aspecto consiste na maior autonomia do agricultor.
Como coletar e armazenar
Antigas de muitas gerações: são sementes que foram conservadas através das gerações pelo mundo, passando dos avós para os filhos, dos vizinhos para outros vizinhos e assim por diante.
Variedades locais: são sementes de plantas cultivadas por muitos anos em uma determinada região. Conversar com as famílias mais antigas do local é uma forma de obter informações dos possíveis locais onde encontrar estas sementes
Variedades não disponíveis comercialmente: sementes de variedades tradicionais que antes eram vendidas por alguma empresa e deixaram de serem lucrativas. Uma boa estratégia é contactar agricultores familiares do local
e feirantes sobre a possibilidade de conseguir sementes desse tipo, inclusive variedades exóticas ao paladar
Variedades imigrantes: estas sementes fazem parte daquele grupo trazido pelos imigrantes e colonizadores,
os pioneiros da região, que trouxeram sua gastronomia. Asiáticos e europeus trouxeram as variedades adaptadas ao clima de origem e sabor de suas culturas, que posteriormente se aclimataram em nosso país. Procurar lojas especializadas e feiras étnicas é uma forma de se tentar obter esse material.
Históricas: são sementes que possuem um significado histórico na região em que eram multiplicadas e plantadas. Geralmente, estão associadas a um alimento preparado para um determinado evento.
Estas sementes são muito apropriadas para se usar em práticas de educação ambiental
FONTE: jornal correio riograndense