segunda-feira, 7 de janeiro de 2019

Como projetos transformam comida que iria para o lixo em refeições


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Enquanto 1,3 bilhão de toneladas de alimentos são desperdiçadas anualmente no mundo, iniciativas unem mobilização e criatividade para transformar esse cenário

Félix Zucco / Agencia RBS
Em um mundo onde mais de 800 milhões de pessoas passam fome – no Brasil, 5,2 milhões ficaram um dia ou mais sem comer em 2017 –, é difícil entender como alimentos em plenas condições de serem consumidos viram lixo: cerca de 1,3 bilhão de toneladas, ou quase um terço do que é produzido, se perdem ou são desperdiçadas anualmente, segundo a Organização das Nações Unidas (ONU).
Os valores podem ser ainda maiores. Enquanto os números de perda (que ocorrem nas fases de produção, pós-colheita e processamento) costumam ser acompanhados pelos produtores, o desperdício, que ocorre na fase de consumo e varejo, é mais difícil de estimar, e depende mais da conscientização dos consumidores para ser erradicado.
– Precisamos melhorar muito em muitos aspectos: no consumo de produtos fora do padrão estético, nas condições de rotulagem, no aproveitamento integral dos alimentos. Falta consciência das pessoas sobre o quanto o desperdício é negativo, inclusive, para o meio ambiente – diz Murillo Freire, pesquisador da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) e membro fundador da Save Food Brasil, iniciativa nacional para a redução das perdas e desperdício de alimentos.

Precisamos melhorar muito em muitos aspectos: no consumo de produtos fora do padrão estético, nas condições de rotulagem, no aproveitamento integral dos alimentos. Falta consciência das pessoas.

MURILLO FREIRE

Pesquisador da Embrapa e fundador da Save Food Brasil
Enquanto países europeus consolidam alternativas, como redes de supermercados que vendem produtos fora do prazo de validade mais baratos ou mesmo leis mais duras para as redes que jogam comida fora, o Brasil engatinha nas ações concretas. Desde 2016, o Comitê Técnico da Câmara Interministerial de Segurança Alimentar e Nutricional (Caisan) estuda estratégias, além de estabelecer diretrizes gerais para mensurar os desperdícios e perdas no país – um dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU é reduzir o desperdício à metade até 2030.
Conforme o pesquisador, a legislação brasileira sobre a rotulagem está entre os estraves a serem removidos para que o país consiga avançar na questão. Atualmente, está prevista punição para quem comercializa produtos fora da data de validade, sem ressalvas àqueles que estão em condições de consumo.
– O prazo de validade informa o período em que as características sensoriais dos produtos estão melhores. Depois, eles perdem um pouco de cor e aroma, mas não quer dizer que estão estragados. Alguns alimentos passam do prazo e estão em perfeitas condições – ressalta Freire.

Iniciativa do RS foi pioneira para aproveitar alimentos

Uma das experiências pioneiras de combate ao desperdício no Brasil é gaúcha e partiu da iniciativa privada. Inspirado no modelo português, o Banco de Alimentos do Rio Grande do Sul foi criado nos anos 2000. Além de trabalhar com doações da sociedade civil, a iniciativa da Federação das Indústrias do RS (Fiergs) coleta o excedente de supermercados parceiros – produtos que seriam descartados –, seleciona e distribui para entidades cadastradas.
Há ainda outras duas frentes: a arrecadação de hortifrutigranjeiros e o Banco de Refeições Coletivas. Na primeira, nutricionistas e estudantes de nutrição recebem, selecionam e transformam frutas, legumes e verduras que iriam para o lixo em refeições que são destinadas a entidades cadastradas – somente em Porto Alegre, foram 80 toneladas no ano passado. O Banco de Refeições Coletivas busca, armazena e entrega refeições prontas preparadas em cozinhas industriais. Ao todo, 864 mil refeições já foram doadas em todo o Estado.
– O desenvolvimento cultural não se dá por canetaço. Tem pessoas que não se coçaram, mas essas coisas a gente ganha com o tempo. Os bancos são instrumentos institucionais para mudar – afirma Paulo Renê Bernhard, presidente da rede Banco de Alimentos no RS.
Transformar a cultura também é desafio da Ceasa, que implantou, em 2015, o Prato Para Todos. Desde então, frutas, verduras e legumes que iriam para o lixo são selecionados e destinados a instituições como creches, asilos e entidades comunitárias, além de pessoas físicas cadastradas, chegando a beneficiar 50 mil pessoas por mês. São distribuídas cerca de nove toneladas a diariamente.
– Hoje, tem menos lixo nos contêineres. Para nós, o programa foi muito bom, um acerto – diz Claiton Ferreira da Silva, coordenador do programa.

Para se inspirar

Supermercado de vencidos
– Desde 2016, a Dinamarca conta com uma rede de supermercados que comercializa produtos fora da validade, mas em condições de consumo. Os produtos são testados e têm a qualidade garantida. A iniciativa da ONG Folkekirkens Nødhjælp vende os produtos a baixo custo – o preço chega à metade do cobrado nos supermercados convencionais. No Wefood, os funcionários são voluntários.
Punição a quem desperdiça
– Em 2015, a França aprovou uma lei que aperta o cerco contra o desperdício de alimentos. Foi o primeiro país do mundo a banir os supermercados com mais de 400 metros quadrados que jogam no lixo ou destroem alimentos não vendidos. As redes devem doar os produtos para instituições de caridade e centro de redistribuição de alimentos para desempregados e sem-teto. Quem não cumpre pode ser multado em até 75 mil euros (o equivalente a R$ 328 mil) e pegar dois anos de prisão.
Escambo de produtos
– Criado em 2013, o site alemão Foodsharing incentiva e facilita o compartilhamento de mercadorias que acabariam no lixo. Qualquer usuário que tenha comida em excesso pode cadastrar seus itens no site. Basta listar os alimentos disponíveis e onde eles estão localizados. Os usuários podem acessar um mapa e descobrir que tipo de alimento está disponível no próprio bairro. Para participar, é preciso seguir uma regra: nunca doar algo que não comeria.
Junk food do bem
– O The Real Junk Food Project  coleta alimentos em condições de consumo que seriam jogados fora para que virem refeições destinadas a pessoas de baixa renda. Supermercados, atacadistas e pequenas lojas agrícolas do Reino Unido participam como fornecedores. Além de pegar os excedentes e destiná-los a lanchonetes e armazéns, o projeto oferece a eles orientações sobre como reduzir o desperdício e melhorar os lucros.


Fonte: Gaúcha ZH

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